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26 novembro 2010

O começo da guinada dos Beatles!


Banda: The Beatles
Álbum: Help!
Ano: 1965
Gravadora: Parlophone / EMI 

Nem lembro ao certo como este disco veio parar em minha coleção. Deve ter sido despojo de algum amigo adepto de MP3 que queria se livrar da velharia que ocupava espaço na estante.

Help!, quinto álbum dos Beatles, lançado em julho de 1965, seguiu a fórmula filme/álbum de A Hard Day’s Night (conhecido no Brasil com o ridículo título Os Reis do Iê Iê Iê).

1965 foi o ápice da Beatlemania. Help! foi gravado às pressas durante uma semana. A primeira parte do disco tem o repertório usado no filme, e a segunda composições adicionadas para terminar de rechear o álbum. E convenhamos, que recheio!

Entretanto, o que me chama a atenção em Help! é mais o contexto em que Paul, George, John e Ringo vivenciaram naquele momento na carreira.


Beatlemaníacas
 
Concordo com os críticos quando afirmam que o álbum Rubber Soul foi o pontapé inicial para uma guinada musical na carreira do quarteto.

Porém, digo que Rubber Soul foi apenas a conseqüência de tudo o que eles viveram entre os álbuns Beatles For Sale e Rubber Soul. E Help! está exatamente entre estes dois discos.

Com a explosão de popularidade dos Beatles após cair nas graças dos americanos e do mundo; mulheres histéricas gritando a cada movimento no palco e nas ruas; condecoração dada pela realeza britânica com a Ordem do Império Britânico; e com todo o paparico e mimo de todos (maioria oportunistas); é mais que esperado que depois do rojão alucinado de viagens, shows, entrevistas e exposição pública, Help! se torne um disco emblemático que , de fato, marca a necessidade dos garotos descansarem dessa loucura, e repensarem eles mesmos como músicos e como pessoas.


Run Forrest, run!

Depois do lançamento do filme/álbum Help!, os Beatles foram a primeira banda de rock a tocar em um estádio aberto. Mais de 55 mil pessoas (maioria mulheres) lotaram o Shea Stadium (NY), gritando histéricas e descontroladas.

A gritaria era tão ensurdecedora que a banda mal conseguia ouvir o som de seus instrumentos. E depois disto eles se questionaram seriamente até que ponto toda aquela massa admirava a musica que eles faziam ou se apenas os viam como quatro caras bonitinhos fazendo musicas fofinhas.

Depois de Help! e todo o contexto que os cercaram, eles finalmente se sentiram no dever de se desenvolverem como músicos e passaram a escrever canções com intuito de primeiramente agradar mais a eles mesmos do que aos fãs.


John: - Num tô ouvindo porra nenhuma!
Cara do som: - Hã!?

Para isto, o grupo deu um tempo com os holofotes e partiram em busca de significados para suas vidas.

A necessidade de auto-conhecimento (que culminou na viagem à India), suas primeiras experiências com LSD e mais tempo gasto no estúdio, fariam com que a banda finalmente abandonasse a imagem de singelos bons garotos e, com isto, transformaram eles mesmos e a música pop para sempre.

FAIXA A FAIXA:

1 – Help! (Lennon / McCartney)

Uma das músicas em que mais John expôs sua inquietação diante de tudo o que estava acontecendo com ele. John mesmo confessou em uma entrevista que Help!, de fato, era um grito por socorro!

Sem dúvida uma de minhas músicas preferidas desse disco.

2 – The Night Before (Lennon / McCartney)

Musica de Paul, onde ele exprime o universal sentimento masculino de ter tido uma noite daquelas com uma mulher maravilhosa. Ela, óbvio, não quer mais saber de você, e aquela noite entra na sua coleção de boas lembranças que não voltam mais.

Ah… the night before (Ah... aquela noite).

3 – You’ve Got To Hide Your Love Away (Lennon / McCartney)

Nesta linda música, ouve-se claramente John querendo soar Bob Dylan. O mais curioso nela é que John a fez para o empresário da banda Brian Epstein, homossexual que não cansava de assediar John.

A música foi escrita em primeira pessoa, tentando representar a perspectiva de Epstein.

4 – I Need You (Harisson)

Essa é a segunda contribuição de George nos Beatles. Alem de cantar sua própria música, ela também tem um efeito de volume que George colocou no pedal da guitarra.

O resultado ficou muito bom!

5 – Another Girl ( Lennon / MacCartney)

Dizem que todo baixista é um músico frustrado. Pois nesta música Paul jogou sua frustração de lado e assumiu a guitarra solo.

A música é um chega pra lá numa garota do tipo: Se toca, já arrumei outra minha filha!

Menino mau!

6 – You’re Going To Lose That Girl (Lennon / MacCartney)

Olha, acho que toda namorada que é maltratada por um bunda mole deveria mostrar essa música pra ele. Cantada em primera pessoa, ela mostra a perspectiva do Ricardão.

Em geral, no quesito traição, a mulher é diferente do homem na motivação. Mulher trai movida por sentimentos como frustração, vingança, solidão enfim, por algum grau de desvalorização por parte do parceiro. 

Ai já viu né!? Aparece aquele rapaz de fala mansa, todo atencioso e educado, sussurrando no ouvido dela: – Nossa, como pode um cara ter uma rainha como você e não tratá-la a altura. Você é linda, única, maravilhosa...

Resultado, o bunda mole do namorando, que não valorizava a namorada por despeito e falsa sensação de macho-alfa, se vê de joelhos, chorando como um bezerro desmamado, implorando miseravelmente pra garota voltar pros seus braços. E daí tome promessas!

John sabia das coisas, tanto que, sabendo desse perigo, resolveu deixar de ter trabalho com as mulheres bonitas e partiu pras feias. E encontrou a paz que desejava com a Yoko.

Então caras, tratem bem suas garotas! Senão tem quem as tratem bem por você...

Recado dado!

7 – Ticket To Ride (Lennon / MacCartney)

Gosto muito da sonoridade dessa música. Ela já destoa do resto do álbum. Tem um peso na bateria e novamente Paul fazendo solos de guitarra deixando George de lado. Já é, certamente, uma sombra do que viria a ser o álbum Rubber Soul.

8 – Act Naturally (Morrison / Russell)

Tornou-se quase uma tradição sempre em cada álbum ter pelo menos uma música cantada por Ringo. E a escolha da música para ele em Help! é ótima.

Super divertida, a música fala de um cara feliz por ter sido chamado para uma participação em um filme. No caso, ele teria que fazer o papel de um cara triste e solitário. E para isso ele não precisaria ensaiar nada, apenas Act Naturally (agir naturalmente).

9 – It’s Only Love (Lennon / MacCartney)

Apesar de bonitinha, esta é uma das músicas que John menos gosta. Ele considera-a uma das piores que já fez. Talvez seja por (ao contrário de temas pessoais como Help!) esta não lhe representar nada e não lhe dizer nada. Uma música qualquer feita para tampar eventualmente algum buraco no disco.

O que mostra que cantores podem sim escrever sobre amor, sentimentos etc. sem, no entanto, ter nenhuma inspiração.

10 – You Like Me Too Much (Harisson)

Segunda participação de George em Help! Assim como a anterior, é uma romântica tipo homem sexo frágil que soa a: - Não me deixe! Você gosta de mim gata, eu sei que gosta! O que vai ser de mim sem você?

Será que George lembrou destas letras quando, anos depois, perdeu a mulher para o melhor amigo Eric Clapton?

11 – Tell Me What You See (Lennon / McCartney)

Gosto muito dessa música, principalmente do som do piano elétrico tocado por Paul.

12 – I’ve Just Seen a Face (Lennon / McCartney)

Inspirado na musica country, Paul manda um acústico encorpado com sua linda voz.

É, eu prefiro Paul, réu confesso!

13 – Yesterday (Lennon / McCartey)

Linda e eterna! Não é à toa que está marcada na história como a música mais regravada de todos os tempos.

Até Sinatra e Elvis, que sempre trataram os Beatles como músicos de segunda, cairam nas graças do quarteto de Liverpool depois desta música.

Paul disse em uma entrevista que a melodia surgiu em sua mente após acordar de um sono profundo, ao levantar cambaleando foi direto para o piano reproduzi-la. Nos dias seguintes ele mostrou a melodia para várias pessoas perguntando se elas a conheciam. Quando se convenceu que aquela melodia não existia, ele colocou a letra.

Yestarday é linda, singela e fala de um amor perdido. É certamente o maior sucesso de Paul.

14 – Dizzy Miss Lizzy (Williams)

E para terminar o disco, e também a fase que se encerra com Help!, um cover de Larry Williams, onde o velho Rockabilly come solto. Acho que ela foi gravada com um pouco de nostalgia dos tempos de Cavern Club em Hamburgo.  

A PREDILETA:

Decisão difícil em um disco com tantos clássicos. Mas pela originalidade, e por realmente gostar mais dela, fico sem medo de ser feliz com Ticket To Ride.




* * *
Interlúdio



De como o Rock’in Roll entrou em minha vida...

Eu, como qualquer outra pessoa criada na periferia de uma grande capital do Nordeste do Brasil, desde cedo fui apresentado ao que seriam as influências musicais da região, sendo por assim dizer forró, forró, forró, forró, lambada, axé, pagode, sertanejo e brega.

Com seis anos, garimpando uma pilha enorme de vinis na sala da minha casa, encontrei em meio a tantos discos, um que me chamou atenção.

A capa tinha contorno vermelho. No centro uma foto enorme com quatro rapazes sorridentes olhando para a câmera, de terninho, encostados num parapeito em um dos vários andares do interior de um prédio qualquer.

Na parte superior da capa um nome que, até então soava estranho e desconhecido para mim:

The Beatles

Tratava-se da famosa coletânea vermelha dos Beatles que abarcava a carreira deles entre 1962 e 1966. 

Lembro de ter pensado: - Que raio de nome era esse?

Até porque, não fazia idéia de que em algum lugar no mundo existia gente que falava outra língua além do português. E claro, meu universo se resumia a minha escola, minha casa e minha rua.

Mas nada disso importou. Olhei aqueles quatro rapazes e pensei: - Gostei deles!

 Então, fui à velha radiola Gradiente, levantei a tampa, tirei o disco do Luís Caldas de dentro e coloquei o disco 1 - lado A (a coletânea tinha dois discos).

Meu brinquedo mais precisoso na infância

Quem nasceu na geração do vinil deve ser familiarizado com aquele nostálgico som do chiado, resultado da agulha deslizando no vinil saindo da caixa de som. Então começou a tocar Love Me Do, seguido de Please, Please Me e From Me To You.

Pronto! Foi amor à primeira audição. Definitivamente minha vida (e meus ouvidos) nunca mais seriam os mesmos. Não entendia bulhufas do que eles cantavam. Mas lembro de experimentar uma estranha (e deliciosa) sensação de liberdade e euforia. Aquele disco se tornou meu primeiro vício. O brinquedo mais precioso na infância.

Escutava-o todo santo dia. Quase o tempo todo. Sendo obrigado (a muito contragosto) a dar pausa para ir à escola, fazer tarefa de casa, brincar na rua (já essa não era tão a contragosto assim) e claro, deixar que as outras pessoas da casa também ouvissem seus discos.

Ao contrário do que muitos dizem sobre o rock ser símbolo de rebeldia, no meu caso passei a ser uma criança mais disciplinada. Uma vez que minha mãe passou a usar o disco para fazer chantagens do tipo: - Se tirar nota baixa na escola eu vou jogar a porra desse disco fora ta ouvindo?

Minha santa mãezinha era uma educadora de primeira. Lembro como hoje, quando eu, em casa, falava algum palavrão tipo merda, ela, usando de sua pedagogia Super Nanny anos 80, logo censurava: - Olha aqui seu bosta, não quero saber de porra de palavrão em casa! Tá ouvindo seu caralho?

Desde então, sempre procuro evitar falar palavrão! Puta que pariu, e como eu evito!

Uma vez perguntei a minha mãe como ela adquiriu o disco dos Beatles. Ela disse que foi presente de um carinha sem sal (tipo George Harrison) que era apaixonado por ela. Ela disse que no dia dos namorados ele chegou na porta da casa dela com um presente. Ela disse que quando abriu o presente e viu que era um disco dos Beatles, na hora mandou ele à merda e fechou a porta na cara dele. E jogou o disco na pilha de vinis na sala.

Uma semana depois, um cara cheio de sal e pimenta deu um disco do Wando pra ela, e nove meses depois nasceu o cara que escreve este texto.

Hoje tenho uma profunda gratidão por este imbecil que foi idiota o suficiente para dar um disco dos Beatles pra minha mãe. Mesmo jogando uma pérola à porca, mal sabia ele que o bacurinho ia fazer a festa!

Muita coisa aconteceu na minha vida depois que conheci o som dos Beatles. Mas, com certeza, dos meus seis até uns onze anos, este disco foi minha mais freqüente companhia.

Até que, por volta dos doze anos em diante, fiz outras amizades como Raul Seixas, Pink Floyd, Led Zeppelin, Nirvana, The Doors, Beavis and Butt Head, a literatura, a Playboy e a coletânea azul que traz a fase psicodélica dos Beatles; tornei-me um péssimo aluno na escola, deixei o cabelo crescer, beijei na boca (e otras cositas más) pela primeira vez e falava mais palavrão que a Dercy Gonçalves.

E como inauguração desta nova sessão de resenhas de discos no meu blog, nada mais justo que homenagear meus patriarcas no rock.

Beatles Forever!