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17 abril 2014

Migalhas Teológicas: Um amém à santa Gaga!



Antes de começar gostaria de compartilhar com você, ilustre leitor, alguns fragmentos de uma carta de suicídio:

“Então... Adeus! Eu não sei se consigo. (...) Passar pelo o que eu passo, ouvir o que eu ouço não é bom e eu não desejaria isso nem ao meu pior inimigo. Os últimos dois anos da minha vida têm sido um verdadeiro inferno."

Bem, então temos aqui um adolescente passando por um "inferno" em vida. Mas quem tem feito isso com ele? Agora a coisa vai tomar um sentido mais drástico:

"Desde que eu me assumi para a minha mãe, ela vem dizendo coisas horríveis para mim. Sou chamado de drogado, prostituto, promíscuo, sujo, demoníaco e sou condenado ao inferno todos os dias... Pela pessoa que mais amo na minha vida! Minha família inteira me aceitou, mas minha mãe evangélica, e extremamente religiosa, não aceitou."

E nesta mensagem dramática o tiro de misericórdia:

"Ela esfrega a bíblia na minha cara sempre que pode, e isso faz com que eu me sinta mal."

Já li, por pura curiosidade, algumas cartas de suicídio espalhados pelos mundos do Google. Geralmente quando você tem uma caneta e papel na mão (ou um teclado) pouco antes de tirar a vida, aquilo que se escreve é cheio de significados. Uma mensagem de carinho para as pessoas importantes, um desabafo para os desafetos, uma confissão, ou, no caso desta mensagem em específico, o que me chama a atenção são duas coisas.

A primeira é a representação deste inferno na vida desse jovem: uma mãe "cristã".

A segunda é para quem ele direciona seu texto.

Leia agora este trecho final da mensagem:

"Eu não sei se aguentarei muito mais tempo. Realmente não sei. Eu já realizei muitos de meus sonhos. Eu não vou viver completamente feliz, mas eu sei que partirei com a lembrança da Gaga cantando meu nome durante a performance de ‘Alejandro’ na ‘Born this way ball’ no Rio de Janeiro. Monsters, talvez esse seja meu último post aqui, então... adeus! Eu amo todos vocês e te amo muito, Gaga!”

Will Nascimento é um dos milhares de "little mosters" - como são chamado os milhões de fãs da Lady Gaga espalhados pelo mundo. Ele postou esta mensagem de despedida no site "littlemonsters.com". Espaço criado pela cantora para ler as mensagens dos fãs no qual ela vez por outra interage.

É incrível o grande paradoxo dessas informações que eu acabei de compartilhar.

O garoto sofre um inferno nas mãos de sua mãe que é cristã e busca refrigério no site da cantora Lady Gaga. Curioso não?

Antes de prosseguir queria só um à parte:

As pessoas me perguntam por que diabos eu estudo teologia. 

Bem, religião sempre foi pra mim um assunto fascinante. E pro bem ou pro mal de fato o é. As religiões são capazes das ações mais sublimes, humanas  e desprendidas de interesse que se pode ter notícia. Mas potencialmente ela também é autora cruel de grandes atrocidades.

A bíblia então nem se fala! Influenciado por este livro Luther King Jr. lutou contra a segregação racial nos EUA. E pelo mesmo livro o pastor Jim Jones levou mais de novecentas pessoas ao suicídio. 

Por este mesmo livro Madre Tereza se entranhou na pobreza extrema de Calcutá e Edir Macedo se tornou um milionário. O mesmo livro! Como pode?

A bíblia é um objeto curioso. Digo isso porque eu já a leio a mais de quinze anos. A meu ver ela revela muito mais o caráter de quem a lê do que propriamente o que ela tem a dizer em si.

Quando você lê a bíblia, ou O Senhor dos Anéis, ou até mesmo assiste um filme no cinema, apesar do objeto apreciado ser o mesmo, dependendo do leitor ou de quem assiste, haverá várias perspectivas diferentes.

É exatamente esse olhar que me fascina e assombra ao mesmo tempo. Um objeto como a bíblia pode ser fonte de alegria e paz, assim também como de terror e destruição, dependendo do coração que a lê. À semelhança do anel de poder da saga Senhor dos Anéis, ela (a bíblia) pode lhe elevar ao heroísmo de um hobbit ou lhe transformar num Gollum. (Imagino que você habitou nesta galáxia nestes últimos quinze anos e assistiu ao Senhor dos Anéis né?) 

Então mesmo você colocando o nome cristão no mesmo saco, é óbvio que as perspectivas são diferentes. E claro que em muitos aspectos a igreja (a grosso modo) tem perdido a mão na forma como acolhe as pessoas. Principalmente no que diz respeito a achar que certos pecados são piores que outros. Neste quesito, apesar de ainda manter o conservadorismo, o Papa Francisco está dando sensíveis avanços, pelo menos na intenção de nivelar todos ao mesmo estado de "pecadores necessitando de redenção".

Detesto esta "santidade" que olha o outro (ou próximo) de cima pra baixo. Adoro uma ilustração que eu ouvi à muito tempo em um curso da JOCUM que fiz na minha adolescência onde foi dito que evangelizar é apenas um morador de rua mostrando a outro morador de rua o melhor lugar para se encontrar uma boa sopa quente. Entendi na hora a metáfora! Ninguém é melhor que ninguém. Todos estamos no mesmo barco. Cada um lutando contra sua própria tempestade interior.

Mesmo que a Igreja esteja certa em sua cosmovisão sobre as relações homoafetivas (e digo "mesmo que" porque há inúmeros estudos teológicos que podem ser um contra argumento sobre esta perspectiva), ainda assim é notório que a postura da igreja diante destas pessoas está redondamente equivocada.

E neste quesito artistas como Lady Gaga entram como suporte de apoio e abrigo. Uma pedra que clama (mesmo indiretamente) em nome do amor de Deus para suprir a defasagem do amor da igreja. (Lucas 19. 37-40)

Neste ponto concordo totalmente com a teóloga Maggi Van Dorn, mestranda em Divindade na Harvard Divinity School, com foco em artes, espiritualidade e justiça social:  

"Enquanto a igreja alega ter uma tradição de amor incondicional e prática ritual integrada, a admiração obsessiva da maioria dos fãs de Lady Gaga revela um grande déficit pastoral em nossa forma de praticar o amor e a aceitação. De modo especial em relação àqueles que são continuamente marginalizados pela igreja e pela sociedade. Poderíamos esperar que os esforços da igreja para compreender e celebrar o amor seriam tão provocativos quanto os de Gaga?"

Ao que parece "a letra que mata" está sendo mais importante que "o Espírito que vivifica" (2 Co 3.6). Quanto a primeira, teria que escrever outro longo texto sobre esse fundamentalismo bíblico, essa literalidade pobre. Mas não vou tomar mais muito seu tempo nobre leitor.

A propósito, acabei de lembrar de um versículo:

"Para envergonhar os sábios, Deus escolheu aquilo que o mundo acha que é loucura." (1 Coríntios 1. 22a)

Nunca pensei que fosse ler esta passagem imaginando os "sábios" representando alguns cristãos intolerantes.

Eu, nestes anos de caminhada espiritual, nunca vi alguém se tornar cristã depois de derrotada numa discussão. Pelo menos todos os meus amigos que, no mínimo, passaram a ser um pouco mais simpatizantes com o cristianismo por conta de minha conexão com eles foi através de atitudes sinceras de amizade, abraço de conforto, postura de acolhimento, compaixão e, principalmente, capacidade de me colocar no lugar do outro, e neste exercício, me perceber também como alguém que precisa de Jesus Cristo como referência para ser alguém melhor.

Já diz o velho Philip Yancey: "Julgamento sem amor suscita inimigos e não convertidos."

E você deve estar se perguntando: Sim mas... E aí? O que aconteceu depois que ele escreveu a mensagem no site da Lady Gaga?

Ela respondeu!

E sua resposta até hoje ecoa em meu coração como um fragmento da Graça de Deus que se manifesta através de qualquer pessoa que esteja disposta a ser movida pelo amor:

"Não se atreva! Olhe para esse rosto lindo! Toda tristeza pode mudar. Mas você precisa trabalhar para isso. Converse com aqueles que te apoiam e fique com a gente nesse site. Nós PRECISAMOS DE VOCÊ. Eu preciso de você. Sem você eu perderia uma parte do meu coração. Eu te amo, monster, outras pessoas às vezes podem não ter compaixão. Não se sinta mal, sinta-se mal por eles!"

O garoto desistiu do suicídio depois de ler esta mensagem.

Amém Lady Gaga!

E obrigado pela lição!


Agora vocês me dão licença porque, de repente, este maltrapilho aqui sentiu uma enorme necessidade de tomar uma bela sopa quente...

FONTES: 
oglobo.globo.com
www.teleios.com.br
littlemosnters.com


p.s. - Leia autores como Brennan Manning e Philip Yancey. Eles me ajudaram a atravessar muitas tempestades.


07 abril 2014

Resenha Filme's: Azul é a cor mais quente (França - 2013)



Orgânico... Se eu pudesse resumir em uma palavra o porquê gostei tanto deste filme seria essa.

O bom cinema francês é assim. Sem enfeites nem subterfúgios tecnológicos. Apenas uma câmera focada no rosto do ator. Não tem para onde correr. Se o ator não tiver segurança na verdade que ele está dizendo através do personagem, as lentes focadas vão desmascará-lo na hora.

Daí toda a tradição do cinema francês na fabricação de excelentes atores.

E com este filme não é diferente.

Neste filme há poucas cenas abertas. A maior parte é feita com a lente focada nos rostos dos atores deixando o telespectador ver cada detalhe do rosto.

O filme trata da história de Àdele e de sua fase de descoberta sexual. Uma adolescente urbana, linda e cheia de amigas. Namorando um cara super legal e carinhoso. E que por algum motivo tem a sensação que lhe falta alguma coisa na vida. E esse motivo ela descobre quando olha para os cabelos azuis de uma jovem que cruza com ela pela rua. Aquela garota por algum motivo não sai mais de sua cabeça. Até que as duas se reencontram e, daí, o enredo começa a dar essas respostas de que ela tanto busca.

O filme tem cenas de sexo viscerais. E explícito. A primeira cena de Àdele transando com o namorado dela dura quase 5 minutos. A segunda cena da Àdele matando a sede na saliva com sua linda amante de cabelos azuis duram mais de 10 minutos.

Na sala de cinema pude ver reações das mais diversas. Uns mais assanhados gritavam como se tivessem vendo uma partida de futebol, e a grande maioria ficava com risinhos constrangidos ou simplesmente o silêncio.

Bem, Nelson Rodrigues dizia que se todo mundo soubesse o que os outros faziam entre quatro paredes ninguém se cumprimentava na rua. Há coisas na vida que só dá pra explicar adentrando na intimidade destas quatro paredes. Ou seja, apesar da cena ser forte, na intensidade das cenas dá pra sacar porquê aquela intimidade é tão marcante (como ferro quente marcando um gado) na ligação daquelas garotas. O que pode refletir para qualquer casal, seja lá o gênero sexual que for.

Sexo é um negócio bizarro e fascinante na vida dos seres humanos. Casais permanecem juntos durante anos baseados naquilo que vivenciam na cama. Outros se separam pelos mesmos motivos (ou pela ausência ou apatia sobre estes motivos).

Significa que as cenas foram realmente necessárias? Talvez na mente do diretor sim. Exatamente porquê a resposta pro enigma estava ali, não tinha como explicar de outra forma.

Agora claro que essa curiosidade para ver essas cenas de vários minutos de sexo pode ter sido um pouco prejudicial, principalmente por restringir bastante o público que irá assiti-lo. Por conta disto muita gente vai deixar de ver um filme belo. Um drama excelente maravilhosamente vivenciado pela bela dupla de atrizes francesas Àdele Exarchopoulos e Léa Seydoux.

As duas se garantiram tanto que o Festival de Cannes, não sabendo qual das duas foi a melhor, resolveu premiar as duas como melhores atrizes. E foi muito bem merecido.

Realmente fui arrebatado pela interpretação delas. Uma verdadeira escola de dramatização. E a atriz que interpreta a Àdele é linda demais.

É um filme humano. Muito mais do que uma história gay, é uma busca de uma garota por auto-conhecimento. É também a história de uma relação a dois (ou duas) com todas as facetas positivas e negativas. Fala de hipocrisia, de lealdade, de tempo, de desgaste. Está tudo ali na tela. Humano demasiado humano.

Gosto muito de filmes comerciais americanos. Mas tem momentos que meu cérebro clama por filmes de arte mais densos e tal. Então na medida que posso intercalo esses dois tipos de filme.

Para quem for se aventurar esteja desprendido de qualquer pudor para ver as cenas de sexo. E no mais é aquilo que o cinema francês tem de bom: impecáveis atuações!

Enfim, foi uma interessante experiência cinematográfica para mim.

p.s. - o novo cinema do Dragão do Mar está nota 10!
    
Assista abaixo ao trailer do filme "Azul é a cor mais quente":