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20 maio 2008

Sobre um pardal cego e a complicada natureza humana


Meia-Noite!

Como faço todos os dias, levo minha cadela para passear. O nome dela é Brenda (mas Levi, eu juro! Quando eu ganhei ela já tinha esse nome!). É sempre a mesma rotina - por volta de meia noite rodeio dois quarteirões com ela (um trajeto parecido com um "8"), dou uma passada na avenida e fico parado, conto dez carros (?) e volto pela rua que dá acesso à minha casa; neste momento do trajeto é a hora da liberdade, o grande momento do dia da Brenda - eu solto a coleira dela e ela sai farejando freneticamente todos os postes, todas as manchinhas na calçada que podem parecer uma urinada de cão; e por fim ela mesmo dá uma mijada também para tentar passar para outros cães transeuntes a mensagem de que aquele lugar já era território marcado. Trata-se de uma Cocker Spaniel. Dourada. Linda!

Acontece que, quando estou prestes a chegar em meu lar doce lar, me deparo com uma cena inusitada.

Vejo um pássaro voando rasante e se estatelando nas paredes das casas. Ele voa, bate com a cara na parede e volta ao asfalto novamente. Deixo minha cadela dentro de casa e volto. Tenho que conferir este “fenômeno” com mais atenção. Ao voltar, encontro o pássaro no meio do asfalto. Pego-o com a mão (claro que sob inúmeros “pios” de protesto da ave), e vejo que se trata de um pardal. Olho mais perto e percebo também que o rosto dele está gravemente machucado, tem uma fratura muito feia na parte superior ao bico, um grande buraco, profundo. Olho mais perto ainda e, para meu espanto, vejo que na verdade o buraco vai até os olhos, uma fenda aberta, como se fosse causado por uma bicada muito forte de um pássaro maior ou uma pedrada de algum “humano” desumano. Acontece, ilustre leitor, que o ferimento não só abriu uma fenda na cabeça do pobre pássaro, como também estraçalhou seus dois olhos!

Ele não têm olhos! Ele é cego! Ele ficou cego com o duro golpe!

Nossa! Sinto um calafrio subindo minha espinha dorsal, um aperto no coração. Sinto-me um verdadeiro idiota impotente. O que fazer? Um pardal cego! Meu Deus!

Por um segundo, um segundinho de nada, me passa pela cabeça a deprimente idéia de deixá-lo lá. Sabe aquele raciocínio do tipo: “Deixe que a natureza se encarregue de tudo George, vá para casa, faça seu leite com nescau e farinha láctea, veja um pouco de tv, durma e seja feliz.

Resultado?

Trouxe-o para casa! Pego uma caixa espaçosa e coloco delicadamente meu novo “hóspede” nela.
Tento dar água, ele bebe um pouco.
Nossa, que situação ein? Agora estou aqui no quarto com um pássaro cego ao meu lado dentro de uma caixa e não faço idéia do que fazer.
É claro, não preciso ser um veterinário para deduzir que, no andar da carruagem, esse pobre pardal vai ser promovido para voar logo, entre nuvens e anjos tocando harpas, no reino dos céus dos passarinhos.
O que deu em mim? Investir tempo numa causa perdida.

Será que é perdida mesmo? Talvez não totalmente.

Explico.

Olhando agora para ele, lembro-me de uma história que meu professor de filosofia contou para ilustrar o estilo literário da chamada “filosofia oriental”.
Ele disse que, basicamente, a filosofia oriental consistia em histórias (parábolas) com conteúdos que sempre representam uma lição de cunho moral. E diante disso ele contou a seguinte história:

Um mestre estava a caminhar com seu discípulo. Estavam passando à beira da lagoa quando seu discípulo, surpreso, disse:

-Olhe mestre! Um escorpião está se afogando no meio da lagoa!

O mestre não pensou duas vezes! Desfez-se da túnica e, imediatamente, adentrou na lagoa . Nadou até onde o escorpião estava a se afogar, e tentou trazê-lo a margem com a mão. Durante a tentativa, o escorpião desferiu inúmeras picadas na mão do mestre. O mestre, mesmo em meio a gritos de dor, conseguiu, à duras penas, trazer o escorpião à margem e salvá-lo.
O discípulo, não pouco espantado, perguntou ao mestre:

- Como podes mestre? Esforçar-te pra salvar um ser com a natureza tão ruim? Ele lhe desferiu dezenas de picadas enquanto o senhor tentava fazer o bem à ele!

O mestre, mesmo em muitas dores, conseguiu dar um leve sorriso no canto da boca e respondeu:

- Observastes bem meu jovem, de fato o escorpião me picou porque estava seguindo a sua natureza.

No que o discípulo novamente disse:

- Então mestre? Porque o salvou?

- Porque, salvando-o, eu estava seguindo a minha natureza.

Eu salvei esse pobre pardal cego porque estava seguindo minha natureza ilustre leitor. Simplesmente não podia deixá-lo ali, cego e desamparado. Sim ele vai morrer eu sei! Mas morrerá na segurança dos meus cuidados e, provavelmente, terá um enterro decente! E chorarei sua morte fazendo com que ele, para sempre, seja lembrado em minha memória - e claro, neste texto.

Me vêm agora à cabeça uma passagem nas Escrituras Sagradas que diz:

“Vinde, benditos de meu pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo. Pois tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era forasteiro e me acolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me. Então os justos lhe responderão: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te alimentamos, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos forasteiro e te recolhemos ou nu e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso e fomos te ver? Ao que lhes responderá o rei: Em verdade vos digo: cada vez que o fizeste a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.”
Evangelho de Mateus, cap. 25, vers.34 - 40. (Versão da bíblia de Jerusalém)

Neste momento meu amiguinho está em sua caixa, andando de um lado a outro tentando entender que lugar é aquele. Sacode suas penas, dá uma ciscada, olha para cima como se pudesse enxergar alguma coisa e lança-se em mais um vôo em direção ao nada (na perspectiva dele), e em direção à parede (na minha perspectiva).

Sinto dizer, mas vou ausentar-me por um instante ilustre leitor, tenho um novo amigo para cuidar.

Já lhe dei até um nome:

Chama-se Bart!

Uma referência e singela homenagem à Bartimeu, o cego de Jericó que estava à beira do caminho e foi curado pelo Mestre!

Tem uma lenda popular onde se diz que, às vezes, Jesus se disfarça de mendigo para testar a bondade dos homens. Será que ele se disfarçaria de pardal cego? Será que o pardal vai morrer? Não, não vou pensar nisso. Todos vamos morrer! A questão não é a morte, mas sim a vida que se vive. E isso já é um outro assunto...

“Entraste na casa do meu corpo,
desarrumaste as salas todas
e já não sei quem sou, onde estou.
O amor sabe. O amor é um pássaro cego
que nunca se perde no seu vôo.”

Casimiro de Brito

Música: Voa Liberdade
Cantor: Jessé



15 comentários:

Abominable Brasil disse...

Cara... odeio quando isso acontece. Pior que isso só gato novo miando desesperado. -__-

Já tentamos salvar um filhote de rolinha aqui em casa, mas não deu certo. :/

Boa sorte aí para o Bart.

Fabiana Melo disse...

Eeeeeeeei, o que aconteceu com o Bart? Morreu? Nossa... Depois desse texto meu coração ficou apertado. Tadinho...

Mas, sobre o texto: não sabia da existência desse teu blog! Que texto perfeito! É bom poder ver Deus na pequenas coisas. Elas não são coincidências, pois Ele sabe exatamente como tocar os nossos corações. É um Deus indescritivelmente grandioso e, ao mesmo tempo, extremamente pessoal. Que o Senhor continue te inspirando, sempre! Já favoritei seu blog!

Thâmara Cristina disse...

Essa estórina do escorpião viu,quem foi q contou?Pois é cara,eu tava pensando,pq será q a genet escreve essas coisas em??Haja criatividade!bjs e saudade!

Arido disse...

Genial.....temos muito o que conversar....já te disse que és um dos meus escritores favoritos?
beijão, Bukolski gospel versão Parangaba...

Piera ou não disse...

vc é mt especial, de verdade bem verdadeira.

Anônimo disse...

Cara, quando li o texto, lembrei de um conto de outro ecritor. A história criada por Tostói é mais ou menos assim: um sapateiro, após ler os evangelhos, pediu a Jesus q o visitasse. E Jesus disse q o visitaria. O cara, como era d se esperar, se preparou para a chegada do nazareno. as horas foram passando e jesus n deu nem sinal de vida. mas o sapateiro, enquanto esperava, ajudava as pessoas que sofriam no duro inverno russo. Ajudou um soldado com um par de sapatos sem vergonha (no frio, isso faz uma enorme diferença). Uma senhora com um filho pequeno (ambos famintos). apartou a briga de um menino de sinal (anacronismo) com uma senhora que vendia frutas, pois o primeiro tentou levar a mercadoria da coitada (no final, ele reconciliou os dois).
Quando o cara, já perto d dormir, percebeu q jesus n deu as, ficou triste. mas o nazareno apareceu dizendo que veio nas formas das pessoas q ele ajudou.

George, n sei, respondendo sua pergunta, n sei se jesus se disfarçaria de pardal cego. mas seu exemplo de cuidado com esse bichinho, deveria nos inspirar a cuidar mais do nosso próximo.

Continue escrevendo com arte!

Flávio Américo

Rodrigo Colares disse...

é...

cada um segue a a sua natureza.

algumas atrapalham as outras, outras cruzam outras... e por ai vai...

Anônimo disse...

Ótiimo, ótiimo o texto.. escreve muito beem esse meeu amiigo!! ;D

Obriigada!!!

Amo muiito! muito Mesmo.. e o adimiro baastante!!!

BrunaTavares.

Caixinha de Surpresa disse...

Já amo a Bart ;)
George, o texto ficou com uma excelente narração. Você TEM que ser escritor.

E o desenho hein?

Dá vontade de dizer um palavrão!rs.

Wendel Cavalcante disse...

George,
De uma coisa ei sei: esse pardal aí, o Bart, encontrou casa! heheheheh!!!! E concordo com o Flávio Américo. Temos que ter a sensibilidade e perceber que o Reino de Deus há está entre nós e que Jesus está no nosso próximo!
Parabéns pelo texto!
Abração!

TESTE disse...

Nunca pensei que a história de um pardal fosse me comover tanto e trazer tanta reflexão ao mesmo tempo... Se por 'dom',inteligencia ou inspiração divina não sei, mas tendo a lingaguem como algo intencional em si mesma atingiu-me.

'Me trouxe lágrimas...'
Parabéns

Izolda Ribeiro (marketing) disse...

Tá bom de atualizar esse blo, nao acha?!?! hehehe
Bjooosss!

Anônimo disse...

Eita mais um ano se passou em??? rsrsrs, depois dos 15 o tempo voaaa..... rsrsrsrs!!!

beijo gato, feliz niver e muito sucesso!

Anônimo disse...

Eita mais um ano se passou em??? rsrsrs, depois dos 15 o tempo voaaa..... rsrsrsrs!!!

beijo gato, feliz niver e muito sucesso! ass: evila

Hugo Lucena Theophilo disse...

É sempre bom saber que um pardal suscitou no homem algo diferente do que a vontade de uma pedrada. Um pardal apedrejado sempre é a anulação de uma fala de Jesus, afinal como seria possível não andar ansioso olhando para as aves do céu com elas nesse estado?

Os pássaros sempre cantam Beatles. Às vezes
HELP, às vezes FREE AS A BIRD http://tinyurl.com/y6knu87 e http://tinyurl.com/298hy8j

Abração