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29 setembro 2011

Nos porões do american way of life!



Livro: A Caldeira do Diabo
Autora: Grace Metalious (1924 - 1964)
Editora: Nova Cultural -1986
Páginas: 414

Geralmente quando viajo uma grande distância de carro, em qualquer lugar do país, encontro no trajeto inúmeras cidadezinhas de beira de estrada. Alguma delas chama a atenção pela beleza, limpeza e ar de perfeição. Casinhas lindamente pintadas, uma praça central limpa, uma igreja no centro (como de praxe); pessoas aparentemente normais e pacatas transitando de um lugar para outro. Tudo no lugar! Tudo! O mercadinho, a padaria, a farmácia, tudo dentro de uma organização que pode até lembrar aquelas cidades cenográficas das novelas globais.

Geralmente cidadezinhas assim gera admiração e exclamações do tipo - Nossa! Isto aqui é o paraíso! Certamente um lugar perfeito para se viver uma boa velhice.

Tempos atrás fui fazer um bico para um grande amigo meu produtor e trabalhei dois dias como assistente de câmera num destes enormes condomínios fechados de ricaços aqui nas redondezas de Fortaleza. Curioso o grande contraste. Em um momento eu via pela janela da van casas simples, todas gradeadas, muros pichados, gente de todo tipo transitando no caos das ruas. E de repente, ao entrar nesse condomínio a paisagem da janela da van se transforma. Vejo casas gigantescas, lindamente projetadas, grama verde, brinquedos de crianças espalhadas pelo jardim, pessoas passeando despreocupadas nas ruas do condomínio. O lugar é enorme, você nem sente que está num condomínio fechado. Só se você andar muito vai perceber os muros que separam aquele mundo do outro mundo lá fora.

Quando olho para mim mesmo e comparo minha reação ao ver esses lugares em contraste com a reação maravilhada das pessoas a minha volta, por vezes assusto-me com o fato de minha reação ser sombria.

Sempre olho com pessimismo as aparentes perfeições que se mostram diante de mim. Ao me deparar, principalmente, com lugares perfeitinhos como uma cidadezinha pequena, uma instituição religiosa ou um condomínio fechado; sinto a inevitável voz da minha mente martelando a pergunta: - Muito bem, olhe com atenção para isso tudo e tente ver o que há de podre no local.

Não importa quão perfeito você aparenta ser; você sabe e eu sei que você, assim como eu e todos os outros, temos nossos demoniozinhos interiores, segredinhos, sujeirinhas etc. E isso se estende para o seio familiar e, claro, ampliando mais, as sociedades organizadas.

Desconfio muito de gente perfeitinha. É gente assim que entra em casa armado e sem motivo aparente mata toda a família suicidando-se em seguida. Imagine o perfeito e simpático atendente de padaria da sua vizinhança em situação extrema, como uma guerra por ex. Esse cara certamente vai ser aquele que comete as maiores atrocidades e no julgamento irá afirmar com frieza que estava apenas seguindo ordens.

Bons filmes mostram muito bem esta atmosfera do que há de podre nos bastidores de uma comunidade perfeitinha.

Um dos filmes certamente é Edward Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands – 1990). E um outro filme que, com certeza, talvez chegue mais perto ainda do ponto a que eu quero chegar é o ótimo Beleza Americana (American Beauty – 1999).

Muito antes destes dois filmes, uma escritora chamada Grace Metalious (1924 – 1964) chocou a América com seu livro A Caldeira do Diabo (Peyton Place). No livro, a autora retrata a vida e rotina de uma cidadezinha do interior dos EUA chamada Payton Place. 


Ela foi uma das pioneiras a bater de frente ao conceito american way of life. O que há por trás dessa pequena e simpática cidade? Incesto, violência doméstica, tortura psicológica, existência vazia, rotina, tragédia, assassinato, partidas e retornos. Tudo isso narrado de forma visceral, arrebatando-nos como fantasmas espionando a rotina de cada casa, família e indivíduo.

Grace Metalious


Por vezes, ao ler este livro, tive realmente uma sensação claustrofóbica, mergulhando fundo junto aos dramas de alguns personagens. Ela genialmente lhe faz desenhar na mente toda a cidadezinha. Você se sente como um expectador, um voyeur, um dos velhos que ficam sentados no alpendre da mercearia no centro da cidade fumando um cachimbo, observando os moradores e acompanhando atentamente o movimento da cidade e as várias estórias por trás dela.

O livro foi grande sucesso de público (mesmo a crítica tendo taxado o livro de trash), sendo considerado o primeiro grande campeão de vendas nos EUA. E obviamente o cinema aproveitou o grande sucesso do livro para gravar o filme com o mesmo título e também foi recorde de público nas salas de cinema até aquele momento. Estou falando do ano de 1957.

Tive o prazer de encontrar este livro abarrotado com outros tantos em uma imensa prateleira em um sebo muito popular aqui no centro de Fortaleza (Sebo O Geraldo). Na imensa prateleira tinha apenas uma plaquinha dizendo Qualquer livro daqui – R$ 2,00. Então comecei a garimpar todos aqueles livros e me chamou muito a atenção esta capa com a imagem de uma linda mulher e o título A Caldeira do Diabo. Comprei o livro e não me arrependi. 

Foram dois reais muito bem empregados! 

Devorei o livro em poucos dias e realmente a cidadezinha de Payton Place deixou-me marcado para sempre com suas inúmeras estórias e seus inesquecíveis e marcantes personagens. 

4 comentários:

Frido disse...

Me deu vontade de ler! E assistir ao filme!

Andreia Inoue disse...

ola amigo!!!
assim como vc,eu tambem tenho muita desconfianca de pessoas que tentam passar a imagem de perfeitinhas, de muito certinhas, e principalmente daquele tipo que vê defeito em todo mundo.
É impossivel ser perfeito, e isso é uma das graças da vida: poder errar e em seguida lutar para acertar...é uma luta constante contra os nossos demoniozinhos (como vc bem mencionou).
o livro tem um titulo forte e bem sugestivo ne? me interessei muito por ele e espero encontrar por aqui. Eu tambem garimbo muito pelos sebos e sempre encontro livros maravilhosos e alguns super dificeis de encontrar em livrarias...e o melhor, sempre por um precinho bem camarada.
:D
um abracao

Ocelo Moreira disse...

Meus parabéns pelo blog.
Adorei essa mistura de livros e músicas no blog.
Essas coisas também são minhas duas grandes paixôes,pois comecei compondo depois resolvi começar a escrever.
Adorei mesmo, bacana.
Abraços,
Ocelo.

Tania Pinheiro disse...

George querido, como foi bom ler tanto amor em palavras! É fácil amar pessoas como vc e sua mãe, é fácil sentir falta de vcs, pela grandeza que tem na nossa vida. Nunca escondi meu carinho, respeito, admiração e ternura por vcs... nem posso. Sua mãe é uma irmã. Vc é um filho. Obrigada pela força. Atitudes assim como as suas fazem a Tatá e eu termos certeza de não estarmos sozinhas. Some não macho vc por perto me ajuda a dar risada e tudo o que eu preciso é rir. Milhões de beijos no seu coração meu querido. Eu te amo! Tania Pinheiro.

p.s. Agora quem molhou o teclado aqui com as lágrimas foi a mamãe rsrsrs... Valeu por tudo meu baleia amado. Bjuu Tatá.