Álbum: Vs.
Ano: 1993
Gravadora: Epic
Vs., segundo álbum na carreira do Pearl Jam, foi concebido carregado de toda pressão e cobrança que um álbum sucessor à grande estreia explosiva de Ten (Epic /1991) poderia gerar.
Apesar do grande sucesso de Ten, a banda recusou toda badalação dos holofotes da indústria do entretenimento. Mesmo ganhando prêmios com o vídeo da musica Jeremy, eles recusaram gravar outra para Black (um dos maiores sucessos do Ten). Eles argumentaram que não queriam que as pessoas, em dez anos, lembrassem da música como um vídeo.
Muitas atitudes desta natureza, remando contra a maré da lógica de mercado, junto a performances em shows cheias de energia e toda mística criada em torno de Eddie Vedder, fizeram o Pearl Jam tornar-se uma das bandas americanas mais populares no mundo.
Pearl jam Vs. O Público
Para gravação de Vs. a banda trocou a barulheira da metrópole e foram para o estúdio Site, nas lindas colinas de São Rafael (Califórnia) para delírio visual da banda e desespero de Eddie Vedder que detestou o lugar. Ele deve ter pensado:
- Como que se faz um álbum de rock num lugar lindo desses? Porra! Somos uma banda de rock ou somos o Los Hermanos?
Enfim, já que está no inferno, abrace o cão. E Eddie Vedder entrou no estúdio com a banda e gravou o que é considerado o álbum mais denso e pesado do grupo.
Fúria, paisagens de angústia e isolamento, tomado de picos de introspecção poética em torno de gritos interiores, protestos, críticas sociais e crônicas infestam todas as músicas de Vs. Até os acústicos do disco são banhados de existencialismo e confusão que só alguém cheio de marcas profundas e irreversíveis como Vedder poderia escrever.
Torture from you at me!
A capa traz uma fotografia feita por Ament (baixista) de uma ovelha enfiando a cara nas brechas de uma cerca. Representando, segundo ele, a sensação de escravidão que a banda sentia em relação a tudo o que estava em volta deles. Daí a título Vs. que remete ao clima de confronto que a banda sentia em relação a toda pressão e cobrança que eles sabiam que iam ter das portas do estúdio para fora.
Então, em 8 de outubro de 1993, Vs. entra no mercado vendendo em uma semana 950.378 discos, batendo o recorde na época de álbum mais vendido na primeira semana de lançamento, e subindo como foguete ao primeiro lugar na parada top dez da Billboard.
E a banda caiu definitivamente nas graças da crítica especializada.
Agradeço ao meu amigo fela da gaita Jonas Gomes (desenhista de mão cheia criador do desenho do Mundo Facundo - confira mais desenhos dele aqui: http://www.flickr.com/photos/jonasgomes/ ) por me enfiar Pearl Jam goela abaixo quando ele morava em Fortaleza. Óbvio que eu, amigo da onça que sou, sempre desdenhava da banda, dizendo que era banda de adolescente burguês problemático.
Mas a maior blasfêmia de todas foi quando Jonas recebeu uma penca de amigos alternativos em casa, e quando cheguei à casa dele e ouvi a linda música Black eu cretinamente disse para consternação de todos:
- Porra, doideira demais esse som! É Creed?
Óbvio que só o Jonas riu da piada.
Hoje talvez eu escute mais Pearl Jam do que ele. Escuto o som com ouvidos nostálgicos.
Lembro-me de muitos bons amigos (maioria hoje vivendo em outros estados ou tentando dar rumo à própria vida aqui em Fortaleza). Lembro-me do tempo em que acreditávamos piamente que íamos ser personalidades famosas. E lembro que uma das grandes portas para a esperada ascenção era, sem dúvida, enchendo a cara e assistindo os inúmeros shows no Hey Ho Rock Bar (in memorian) numa das muitas intermináveis e inesquecíveis noites no Centro Cultural Dragão do Mar.
Bons tempos!
FAIXA A FAIXA:
1 – Go (Letra: Vedder / Música: Abbruzzese, Ament, Gossard, McCready e Vedder)
O disco começa com esse verdadeiro chute na porta que é Go. A linha de guitarra e bateria segue numa sequência rítmica alucinante servindo de cenário para uma letra perturbadora sobre um obscuro sentimento de abuso (se sexual ou psicológico não fica claro). Aqui Vedder mostra a que veio. Sem piedade vocifera o refrão como um desabafo:
Please, don’t go on me!
2 – Animal (Letra: Vedder / Música: Abbruzzese, Ament, Gossard, McCready e Vedder)
Five Against One, a princípio, ia ser o nome do álbum. No último momento a banda resolveu por Vs.
A música mantém a mesma energia de Go, agora com um jogo de palavras que pode nos levar a vários significados. A mais provável é que se trate de um estupro coletivo. Five Against One pode representar masturbação, cinco pessoas e uma vítima ou até mesmo a própria banda em relação a todos (gravadora, fãs, mídia, etc.), ou tudo isso junto.
Mas em se tratando do refrão I’d rathed be with an animal, leva-me a crer que possa ter a ver com o costume do estupro coletivo no comportamento de algumas espécies.
Principalmente entre os caninos vira-latas.
3 – Daughter (Letra: Vedder / Música: Abbruzzese, Ament, Gossard, McCready e Vedder)
Gosto muito desta música, além de uma bela melodia com base acústica e elementos de guitarras, ela conta a estória de uma garota que tem dificuldade de aprendizagem (dislexia) e sofre abuso dos pais que não entendem seu problema. Quando finalmente os pais percebem que a filha tem esse problema, ela já foi tão abusada psicologicamente e fisicamente que já se encontra cheia de profundas feridas e mágoas na alma que a acompanhará para sempre. O que certamente a faz rebelar-se contra os pais. Assim como em muitas outras letras, Eddie com maestria, demostra ser um bom contador de estórias.
4 – Glorified G (Letra: Vedder / Música: Abbruzzese, Ament, Gossard, McCready e Vedder)
O baterista Abbuzzese um dia chegou ao estúdio todo feliz porque tinha comprado duas armas de fogo. E isto gerou um grande debate entre a banda. Principalmente sobre essa cultura bélica que existe impregnada na alma norte-americana. Daí surgiu a ideia desta música que é uma crítica cheia da mais pura ironia. Parece até uma prévia do tipo de sentimento doentio que permeava a mente dos dois jovens que, com armas de fogo de ponta adquiridas na Walmart, chacinaram 13 alunos numa escola na cidade de Columbine (Colorado / EUA) em 1999.
O que esperar de um país que vive o paradoxo de ser tão religioso e tão fissurado por armas de fogo ao mesmo tempo?
Got a gun, fact I got two
That’s ok man, cuz I love God
5 – Dissident (Letra: Vedder / Música: Abbruzzese, Ament, Gossard, McCready e Vedder)
Outra estória criada por Vedder, fala sobre uma mulher que abriga um refugiado político em casa. Há um envolvimento entre os dois, mas apesar disto, com o tempo ela não aguenta a pressão e o entrega para o Estado. E aí está a tragédia da música narrada em uma sonoridade perfeita.
6 – W.M.A. (Letra: Vedder / Música: Abbruzzese, Ament, Gossard, McCready e Vedder)
Eddie Vedder certa vez se meteu em uma briga com policiais. Apesar de ser o pivô de toda confusão, os policiais partiram para cima do amigo negro de Vedder.
Aqui Vedder, dentro de um som com atmosfera tribal, mais uma vez critica aspectos da cultura americana. No caso de W.M.A. (White Male American) o racismo. De alguém se sentir sortudo por nascer branco.
7 – Blood (Letra: Vedder / Música: Abbruzzese, Ament, Gossard, McCready e Vedder)
Se eu pudesse definir essa música em uma frase eu diria:
- Uma bela facada no estômago!
Pesada e selvagem, Blood é um grito de foda-se de Vedder para a mídia do tipo:
- É sangue que vocês querem seus desgraçados!? Pois tá aqui! Aproveitem seus merdas! Stab it down, fill the pages, suck my fuckin’life out, man!
8 – Rearviewmirror (Letra: Vedder / Música: Abbruzzese, Ament, Gossard, McCready e Vedder)
Não conseguindo inspiração suficiente nas belas colinas onde ficava o estúdio de gravação de Vs., Vedder se refuga em seu ambiente natural. Volta para São Francisco e passa a dormir dentro da sua caminhonete no intuito de preservar o espírito de luta. Daí surgiu algumas de suas letras mais pessoais, dentre elas esta que remete a um passado de abuso e agressão por parte dos pais. A música fala desta atitude de fuga de nossos problemas. De alguém que pega o carro e toma a estrada fugindo de uma vida e um passado triste e traumático.
I gather speed from you fucking with me!
9 – Rats (Letra: Vedder / Música: Abbruzzese, Ament, Gossard, McCready e Vedder)
O senso de coletividade e união entre os ratos é algo que em muitos aspectos os tornam criaturas mais admiráveis que nós, ditos humanos. Concordo! E Rats explora exatamente isso.
10 – Elderly Woman Behind The Counter In A Small Town (Letra: Vedder / Música: Abbruzzese, Ament, Gossard, McCready e Vedder)
Melodia e letra dançam juntas nesta comovente e bela estória narrada sobre uma mulher que deixou-se acomodar numa pequena cidade. Essa eterna síndrome da cidade pequena, onde uma parte sonha em poder sair e conhecer outros mundos e outra parte resolve ficar para garantir pelo menos ser alguém relativamente importante em sua cidadezinha natal.
A letra trata do encontro destas duas pessoas que fizeram escolhas diferentes. De como nossas escolhas podem determinar nosso destino para sempre. E a sensação claustrofóbica de alguém que vê a vida passar, o mundo mudar, e perceber que ela mesma parou no tempo e está alheia a tudo isso.
Linda canção!
11 – Leash (Letra: Vedder / Música: Abbruzzese, Ament, Gossard, McCready e Vedder)
Cantado como um hino. É uma leitura do que era a juventude na primeira metade dos anos 90. Mas é latente a atemporalidade da canção, pois pode ser cantada em qualquer outra época, pois as aspirações e desejos de liberdade juvenil transcendem gerações.
Drop the leash, we are Young!
E a letra fala bem desse fenômeno de tribalização da juventude. Uma geração sem rumo e sentindo usando exatamente essas inseguranças como força de união, criando significativas revoluções culturais.
I am lost, I’m no guide, but I’m by your side!
12 – Indiference (Letra: Vedder / Música: Abbruzzese, Ament, Gossard, McCready e Vedder)
Terminando o disco, a última faixa nos leva a um ambiente soturno e nos narra, aos sussurros, quase como uma voz de alguém pensando alto. O desabafo de alguém que abre mão de seu conforto e desejos pessoais em prol de um bem comum, não especificado na letra. O que pode nos levar há várias imagens.
Como o executivo infeliz que sonha com a liberdade, mas por conta da família, resolve engolir os sonhos a seco e pensa:
- Oh, I will make my way through one more day in the hell!
A música é recheada dessas figuras perturbadoras. Novamente a claustrofobia de uma existência fadada a um determinismo infeliz toma conta de outra letra de Vedder.
A PREDILETA:
Sem titubear, escolho Elderly Woman Behind The Counter In A Small Town por ela me falar mais diretamente. Acho que deve ser a crise dos 30 anos chegando. Mas me sinto muito como esta velha mulher aqui em minha cidade natal (Fortaleza), e percebo mais latente esse sentimento quando algum amigo meu resolve chutar o balde e morar em outro lugar, ou quando algum viaja a passeio para o exterior.
Até segunda ordem, não tenho perspectiva nenhuma de sair daqui. Às vezes tenho essa estranha sensação de uma coleira invisível que me prende nesta cidade. Provavelmente vá envelhecer aqui, levarei meus filhos e netos para ver futebol no estádio, e toda vez que ver alguém partir vou sentir meu coração em pedaços dizer:
- Por favor, dê um olá para o mundo lá fora por mim!
E como bom provinciano, vou sempre ouvir atento às novidades, aventuras, maravilhas e curiosidades que meus amigos trazem de suas viagens.
Todo esse sentimentalismo barato de minha parte é tão somente a angústia de saber que vou passar por esta vida e logo serei esquecido, como se eu nunca tivesse existido. Talvez quem sabe se eu for um bom pai e avô, minha memória possa sobreviver uma ou duas gerações entre os meus, e aí então desaparecerei, junto com minha geração.
All these changes taking place, I wish I’d seen the place. But no one’s ever taken me!
E para rechear seus olhos e ouvidos, escute esta linda canção com imagens de um dos filmes mais marcantes em minha vida (como todo filme de Cameron Crowe!) chamado Tudo Acontece em Elizabethtown.
Todo bom amante da música deve ser, no mínimo, obcecado pelos filmes deste diretor!