ShareThis

09 setembro 2013

Resenha CD's: Nara Leão - Nara (1964)



Artista: Nara Leão
Álbum: Nara
Ano: 1964
Gravadora: Elenco

Nara Leão indiscutivelmente é considerada uma das musas maiores da chamada Bossa Nova. Não era por menos. A Bossa basicamente nasceu em meio aos vários encontros musicais que rolava no apartamento dela, na Avenina Atlântica, em Copacabana. Largou os estudos formais para se dedicar integralmente à música e, aos 22 anos, lançou este disco que é um dos pilares fundamentais da Bossa Nova.

Mas muita calma, pela capa percebe-se claramente que essa garota de 22 anos, apesar de toda delicadeza, tinha sim muita coisa a dizer. Seu disco sai do comum na Bossa Nova, passa longe dos passarinhos a voar, o vento de Copacabana no rosto à tardinha, aquela coisa lindinha e fofinha das letras da Bossa Nova. Não, ao contrário, ela vira as costas para a praia e sobe o morro e escolhe compositores que cantam o povo, à terra, as pessoas, e claro, cantam a melancolia, a solidão e os corações partidos.

Sempre me fascinei com o fato do samba ter esse poder de ter um ritmo tão, digamos, alegrinho, mas ao mesmo tempo passar uma tristeza e melancolia tão grande. Aprecio muito este contraste. E Nara soube muito bem dosar isso, saindo da obviedade e adentrando em seus próprios sentimentos no que diz respeito a como enxergar a vida, as pessoas e o amor, ou o que as pessoas chamam de amor.

Uma noitada normal no apartamento de Nara Leão

"Marcha De Quarta-Feira De Cinzas" já abre o disco com aquela sensação de vazio pós carnaval. Naquela triste volta à rotina, onde as pessoas tiram suas fantasias e põem a máscara do cotidiano.

"O Sol Nascerá (A Sorrir)", "Luz Negra" e "Consolação" são sambinhas lindos com toda a sua beleza melancólica do amor que faz sofrer.

As densas canções "No Morro (Feio Não É Bonito)", "Canção Da Terra", "Berimbau" e a incrível "Maria Moita" mostram que Nara Leão era uma garota super antenada aos principais problemas sociais em nível nacional e, também, na dimensão da periferia de sua tão queria "cidade maravilhosa". A questão da reforma agrária e a condição da mulher submetida a uma condição sub-cidadã dominada por uma sociedade machista mostra uma Nara Leão de fato engajada ideologicamente na emancipação do povo e, principalmente, das mulheres.

As valsinhas "Vou Por Aí" e "Réquiem Para Um Amor" são de partir o coração. Uma delícia!

O disco termina com "Nanã", um instrumental tendo a voz de Nara ao fundo cantarolando a harmonia que foi trilha sonora de um filme chamado Ganga-Zumba, do diretor Cacá Diegues.

Nas versões em CD, o disco ainda vem com duas faixa-bônus. "Promessas De Você" e "É Tão Triste Dizer Adeus" são, as duas, duetos de Nara com o cantor Carlos Lyra. Sendo que esta última aborda a questão do divórcio, tema bem polêmico pra época. E ambas são contém a marca registrada do disco - valsinhas cheias de melancolia.

Gosto muito da capa do disco. Uma obra de arte desenvolvida pelo desenhista César Villela. Este cara criou todo um conceito de capa para a gravadora Elenco, e fez disso uma marca registrada. A capa de Nara ficou super moderna, realmente passando para o público, com nítida fidelidade, uma Nara Leão com um cabelo chanel descolado, uma garota que, pela capa, percebe-se sem esforço que é fã de literatura e que curte debater política com os amigos nos bares ou na varanda de seu apartamento.

A PREDILETA:

Sabe o que eu disse anteriormente sobre a questão do samba ter essa coisa de ser alegre e melancólico ao mesmo tempo? Pois é, "Diz Que Fui Por Aí" é um excelente exemplo pra ilustrar isso. Uma letra que fala de alguém que perdeu um grande amor, que saí às ruas pela noite com um violão, totalmente solitário e sem rumo. Nossa, escutar esta música nos leva a várias imagens. Enquanto a Bossa fofinha canta a luz do dia, Nara nesta canção invade a madrugada, de bares lotados de gente solitária, andarilhos errantes em ruas molhadas iluminados pelos postes. Uma verdadeira exaltação a figura do boêmio de alma, que afoga suas mágoas ralando o cotovelo em balcões intermináveis. Uma música perfeita para aqueles que tem a madrugada como companheira.

Ouça no vídeo abaixo a música "Diz Que Fui Por Aí":

Um comentário:

Rossana disse...

"A paleta do pintor,
Confusa, inquieta, multicolorida,
É quase sempre mais bela
Do que a pintada na tela."

Mário Quintana, Arte.

Texto lindo, cheio de sensibilidade. Adorei.