Capítulo 1
Morfeu, o black dog dos meus sonhos!
Meu ex sonho de consumo
No geral sou um cara superficial em relação a cães. Sempre fui do senso comum e, como quase todo senso comum, sempre sonhei em ter um labrador. Era a primeira coisa que ia fazer (pretendia eu) quando finalmente casar e, de preferencia, morar em uma casa com um espaço razoável para criar esse animal de médio/grande porte com todo cuidado e mimo do mundo. Me imaginava e sonhava com ele em várias situações - praias, sítios, festas comemorativas com ele fantasiado à caráter, iria virar um dono de cão super cool com fotos iradas no Facebook. E sempre quis ter um cachorro grande e todo preto por conta da minha música do Led Zeppelin predileta: "Black Dog".
Led Zeppelin - "Black Dog"
Finalmente esse dia tão esperado chegou!
- Oi Gê, aqui é Alice!
- Diga lá queridona! A quanto tempo!
- Pois é Gê, tô te ligando por quê tô meia aperreada ó...
- Que foi menina?
- Bem, moro num apartamento pequeno e lá na casa da minha mãe vai ter uma reforma gigante e todo o terreno da casa vai embora pra virar um centro comercial. Aí Gê tô com o coração na mão por quê não sei com quem deixar o Morfeu...
- E quem é Morfeu?
- Meu labrador preto de 2 anos... Ele é mistura de labrador com chao-chao... Então ele é um labrador perfeito só que a língua dele é roxa... É a coisa mais linda, super dócil e tal... Apesar de ter muita gente brigando pra ficar com ele, sinceramente pensei em ti ó George... Tá afim de ficar com ele? ... George? ... George?
- Caraaaaaaaaaaamba que massa!!! Quero sim, nossa que sonho...
E aí meu sonho se concretiza. Agora é só preparar a casa para recebê-lo - ajeitar o jardim, instalar portão lateral, etc.
Dois dias depois recebo outra ligação:
- George, aqui é a Nice amiga de sua mãe... Olha só, tô com três filhotes aqui no meu abrigo (ela tem um abrigo só que a prioridade é gatos) e realmente tô numa situação bem complicada porquê não tenho como ficar com eles, e eles nem são vacinados ainda, o que os tornam impossibilitados de ir pra feira de adoção. Enfim, tô ligando prum monte de gente pra ver se tem quem os adote, senão vou ter que levá-los pra zoonoses. Resgatei eles de uma mulher que ia jogá-los no rio. Era uma ninhada de 8 e apenas 4 sobreviveram, e destes 4 um filhote ainda desapareceu.
- Olha, ééé, ummm... Bem, estou prestes a adotar um cachorro já, mas vou falar com a Lorena (minha esposa), acho que talvez role a gente adotar só um deles...
- Tranquilo, temos dois aqui bastante saudáveis... E já limpei eles totalmente... Os coitados estavam entupidos de carrapatos e pulgas... Passei remédio e tudo... Só um deles que tá mais fraquinho... Foi o mais maltratado e rejeitado da ninhada.
- E aí Lorena?
- E aí que vamos lá... E vamos adotar o mais fraquinho porque ele tem menos chance de ser adotado.
- Beleza cara, mas seguinte, lembre-se que eu quero o Morfeu, então chegar lá vamos escolher só um e pronto! Só um viu! Sóóó um! Estamos entendidos?
Capítulo 2
Os três mosqueteiros
Nice é a melhor amiga de minha mãe. Ela é uma daquelas mulheres obstinadas que fez da proteção aos gatos uma filosofia de vida. Entramos na casa dela e tivemos essa constatação. Nunca tinha visto um amontoado tão grande de gatos. Por toda parte que se olhava percebia que era observado por grandes olhos curiosos de inúmeros bichanos. Gatos de todos os tipos, cores e tamanhos. E ela, Nice, desfilava no meio deles como uma verdadeira rainha.
Além de seus gatos, ela alimenta os gatos da UECE (Universidade Estadual do Ceará) do bairro Itapery e, claro, os gatos de sua vizinhança que, infelizmente (segundo ela) não cabem mais em sua casa.
Chegando ao quintal, no meio de todos aqueles gatos, logo pudemos ver aqueles três pontos marrons. E foi aí que, pela primeira vez, vi os três irmãos sobreviventes.
- Owwww ammor, olha só ele, tá tão fraquinho! Qual vai ser o nome dele?
- Sei lá Lorena, ele tá tão magrinho... Cabeça enorme... Ummm... Que tal Smeagol?
- Credo George! Ele é do bem, e independente das coisas ruins que ele passou está conseguindo sobreviver!
- Tá, então vai ser Ozzy!
- Ótimo! Bem, e os outros?
- Como assim "e os outros"?
- Owww amor, olha só como tão olhando pra gente!
- Não, não, não Lorena! Não inventa!
- Tá bom então... Vamos deixar eles aí pra ir pra zoonoses...
- Putzgrila Lorena! Seguinte, tem mais um macho e uma fêmea... Escolha só mais um e pronto!
- Tá, vou levar o macho!
- Pronto Nice, vamos levar os dois machos. Quem cria um cria dois!
- Ótimo, vou conseguir aqui uma caixa bem grande e vou dar comida e mais uma dose de remédio de verme. Vai dar para uns dois dias.
- Valew Nice... Você quer alguma ajuda de custo?
- Naaaaaaaaada meu povo! Quero ajuda não! Vocês é que tão ajudando!
Indo pro carro, com os dois filhotes na caixa, não conseguia parar de olhar para os olhos da fêmea que ia ficar. Ela tentava acompanhar os irmãos e, pra piorar, dava aqueles gemidinhos de cachorro triste. E pra piorar ainda mais, acho que ela deve ter aprendido com os gatos a fazer aqueles olhinhos do Gato de Botas do Shrek.
- Bora Lorena... Pega ela também! Quem cuida de dois cuida de três!
- E o Morfeu?
- Unf...
Capítulo 3
Então fomos nós! Eu, Lorena, o pequeno Ozzy e...
- Bem, e o nome deles?
- Há, sei lá... John e Yoko?
- Não, eles são irmãos e não um casal, tipo, casal de verdade saca?
- E desde quando cachorro liga pra isso?
- Gê, John e Yoko não! É incesto!
E no som do carro começa a tocar:
"... Hello? Is there anybody in there? Just nod if you can hear me? Is there anyone at home?"
- Acho linda a melodia dessa música!
- Taí! Perfeito! A Pink e o Floyd!
- Hahahahaha! Doido! Nada a ver!
- Doido nada... Troquei um labrador de língua roxa por eles! Ponho o nome que eu quiser e vai ser Pink e Floyd!
Pink Floyd - Comfortably Numb
E aí começou nossa, digamos, primeira vida familiar de um casal recém casado com três filhotes em casa.
O período de adaptação foi mais tranquilo do que imaginávamos. Talvez pelo fato de termos adotado três, e um fazer companhia ao outro, não houve tanto chororô da parte deles.
Com o passar dos dias, na rotina diária, fomos conhecendo um pouco mais da dinâmica de convivência deles. Floyd era o mais, digamos, bobão. Passivo a tudo o que a fêmea Pink fazia. Geralmente era o mais medroso, e quando tomava uma atitude era um maria-vai-com-as-outras. O Ozzy era o mais, digamos, introspectivo e recluso. Talvez pelo fato de ser o menorzinho do grupo, e por claramente ser o fisicamente mais debilitado, ele tinha grande desvantagem nos momentos das "brincadeiras" deles. No geral, ficava deitado e era metido a valente. A fêmea fazia o meio de campo entre eles. Ela que dava movimento ao grupo, liderando-os nas explorações no quintal, nos protestos de fome na porta da nossa sala (latidos infernais) e, quando ela via que o Ozzy tava muito tempo deitado, ia lá e ficava arrastando a cama dele de lugar do tipo "acorda pra vida cara". Com o Ozzy ela às vezes era rude, ficava irritando ele, meio que tirava ele de sua zona de conforto. Mas isso era alternado com claras demonstrações de carinho. Ela por vezes passava tempos bem longos lambendo o Ozzy, suas orelhas, sua boca, seu corpo. E aparentemente isso o animava muito.
Eu sempre tive receio de trazer animais pra casa. Tinha medo de que os bichos fossem prender eu e Lorena em casa. Não íamos poder fazer viagens de longo tempo, não íamos ter limpeza e organização em casa, iam ser zuadentos, enfim, temia que minha casa virasse um caos. Porém estava redondamente enganado. Esses animaizinhos trouxeram muita vida pro meu recém criado lar. De certa forma, cuidar deles até aprofundou ainda mais meus laços com minha mulher. Sei lá, é uma coisa que simplesmente eu não consigo explicar.
Agora mesmo enquanto escrevo estas linhas vejo minha mulher no sofá e nossos filhotes aos pés dela. Misteriosamente o Floyd desenvolveu uma ímpar curiosidade por TV. Já a Pink fica entre o sono e acordar, fazer aquele olhar para mim de longe, com suas orelhas de morcego levantadas e, quase que consigo enxergar uma nuvem de diálogo saindo de sua cabecinha com a frase "Por quê esse humano idiota não vêm brincar comigo? Saco!"
Vou ali brincar um pouco com ela. Volto já!
...
20 min. depois...
Pronto, voltei!
Onde eu estava? Há sim, lembrei!
Se fôssemos olhar como uma escadinha a Pink seria de longe a maior. O Floyd estaria um pouco abaixo da Pink. Já o Ozzy, apesar de comer proporcionalmente igual aos outros, por um motivo que eu não conseguia entender, simplesmente não crescia. E definitivamente isso começou a virar uma preocupação para nós... Pais aflitos.
Capítulo 4
Temíamos muito que a falta de apetite do Floyd e Ozzy, bem como a aparente anemia neles (bem mais intenso no Ozzy) fosse calazar. O que, segundo nossas parcas pesquisas no Google ia significar ou o caminho da eutanásia ou um longo e caro tratamento.
No outro dia, com o coração na mão, ligamos para a clínica e foi constatado que tanto o Ozzy quanto o Floyd estavam com a doença do carrapato.
Nossa, lembro a Nice (do abrigo para gatos) relatando que todos os três estavam com as orelhas literalmente entupidas de carrapatos. Os meus três sobreviventes. Meus fortes sobreviventes.
Enfim, começamos o tratamento nos dois e na Pink que, apesar de não ter acusado a doença, incluímos por pura precaução no tratamento para prevenir ou eliminar caso a doença estivesse apenas encubada no corpo dela. E lá se foram as economias dos móveis planejados para o início do ano para nossa sala de estudos.
Mas mesmo assim não nos arrependemos em momento algum do "investimento". Afinal, eles eram nossa responsabilidade. Assumimos o sério compromisso de cuidar deles, e era isso que íamos fazer.
Então vamos lá! Medicação regulada, vitaminas, tabela de horários e eu e Lorena tentando ser os melhores enfermeiros possíveis.
Pink e Floyd reagiram super bem ao tratamento. Já o Ozzy, a cada dia que passava, apesar de comer e tomar as vitaminas como os outros, simplesmente não engordava nem crescia. E a partir de então a coisa só foi piorando, principalmente sua anemia.
Fisicamente o Ozzy começou a definhar. Seus ossos começaram a se destacar em sua pele. Ainda assim era comovente ver que, apesar dele maior parte do tempo ficar deitado e dormindo, sempre que podia ensaiava brincar com seus irmãos. Quando não ele tomando iniciativa, a Pink ia lá onde ele estava e arrastava a caminha dele para o meio do corredor e começava a "implicar" com ele, do tipo "vai passar o dia todo deitado aí zé mané?".
Eu e Lorena ficamos o tempo todo hidratando ele a cada 15 minutos com soro. Nas febres intermináveis dávamos remédios, e a coisa passou a oscilar entre ele estar bem ou mal. Ozzy até certo momento conseguia ter pleno controle de seus movimentos. Sua musculatura ainda permitia que ele andasse, latisse, etc.
Até que um dia ele simplesmente passou a não levantar mais, e eu passei a me me sentir desamparado e com o coração na mão, igual a mãe do Cazuza.
Capítulo 5
Já era noite bem avançada. Fui botar comida pros filhotes e Ozzy permaneceu lá, estendido em sua caminha. Quando fui pegar e dar colo a ele, ao invés da febre habitual, percebi que ele estava com as orelhas e patas bastante frias. Sua gengiva estava quase branca, bem como sua língua. Pegamos ele e imediatamente fomos à clínica.
00:20h
- Gente, nesse caso aqui só uma transfusão viu.
- Ótimo! Vamos fazer! Pode começar!
- Mas pra fazer uma transfusão tem que ter uma bolsa de sangue...
- O sr. não tem aí?
- Não...
- Putz...
- A coisa funciona da seguinte forma. Vocês conseguem um cão doador que tenha no mínimo 30kg e que seja saudável... Aí vocês com isso economizam R$ 200,00.
- E quanto é o processo todo?
- Em torno de R$ 500,00.
- Putz... E onde é que a gente encontra um cão doador numa hora dessas? Do jeito que ele tá aqui acho que não aguenta até de manhã... Será que em outras clínicas 24 horas têm ein?
- Não sei amor... Só tentando.
- Pois é, se vocês quiserem tentar...
1:00h
Eu e Lorena, aflitos, resolvemos sair procurando uma bendita bolsa de sangue em alguma clínica 24h. Fomos em pelo menos 3 ou 4 e nem sinal de bolsa. Ozzy debatia no meu colo impaciente, irritado com o balanço do carro somada a sua clara dificuldade em respirar. Depois de receber vários "não temos bolsa de sangue" voltamos para casa.
3:40h
No trajeto de volta observei seus olhinhos curiosos olhando o mundo lá fora. Observando luzes, faróis de carros, uma ou outra pessoa na calçada... Nossa, como eu queria que ele saísse dessa! Por tudo que ele tava lutando ele merecia a cura! Definitivamente! Ao longo da av. Washington Soares, naquela fria madrugada, o pequeno Ozzy olhava o mundo pela janela e olhava pra mim. Como pode a gente criar tanto amor por uma criaturinha dessas? No rádio começou a tocar "Don't Know Why" da Norah Jones e meu coração desabou de vez...
Norah Jones - "Don't Know Why"
Capítulo 6
Anjos Desconhecidos
4:20h
- E agora amor, o que a gente faz?
- A gente tem que esperar amanhecer pra fazer alguma coisa... Não conheço ninguém que tenha um cachorro com 30kg...
- É osso viu Gê... Olha amor, Ozzy tá muito mal!
- Vamos continuar hidratando ele com soro já que ele vomita toda comida que a gente dá pra ele...
- Tá certo!
- Ó, acho que tive uma ideia... Vou jogar um apelo no Face pra ver se alguém conhece alguém que tenha um cão nesse perfil que possa ajudar a gente!
- É uma boa Gê já que tu é quase prefeito do Face!
- Deixa eu tirar uma foto de vocês dois...
Foto que tirei da Lorena cuidando do Ozzy no final da madrugada
" UM APELO... Nosso filhote Ozzy está muito doente... Ele foi detectado com a doença do carrapato e, além disso, ainda está com uma anemia profunda. Ele nasceu num "lar" onde foi muito maltratado e negligenciado junto com seus dois irmãos (a Pink e o Floyd). Adotamos os três (os únicos sobreviventes de uma ninhada de 8 e temos, eu e Lorena GGuerra dado muito amor e carinho a eles. De todos o Ozzy foi o mais maltratado pelos antigos donos. Enfim, são 3 da manhã e ainda estamos acordados de plantão cuidando dele e o Ozzy precisa urgentemente de uma transfusão de sangue... Para que isso ocorra temos que ter como doador um cachorro que pese no mínimo 30kg e seja saudável. Podemos até fazer todo o translado... A clinica é muito boa e para o animal que vai fazer a doação é super seguro uma vez que a doação é de apenas 100ml de sangue. Por favor lhe peço que se você tem ou conhece alguém que tenha um cachorro dentro destas condições por favor nos contate!!! A gente tá muito aflito e desejamos muito que ele sobreviva. Essa transfusão é a única chance que ele tem! Nos ajude! É urgente! Ass. George e Lorena"
- Pronto amor, enviei! O Ozzy dormiu, vamos tentar dormir um pouco...
7:00h
- Caramba Lorena, olha aqui!
- Mais de 100 compartilhamentos!
- Olha aqui amor na minha caixa de mensagens! Muita gente me escrevendo sendo solidário e oferecendo seus cães para a bolsa de sangue!
- Caramba que massa!
7:40h
por telefone
- Oi Lorena, aqui é o dr. Gustavo da clínica. Olha só, consegui uma bolsa de sangue. Um conhecido meu vai me vender uma. Então é o seguinte... A única coisa que eu quero que vocês façam é pagar pro cara essa bolsa de sangue que custa R$ 200,00. No mais, quanto a todo o processo e internação pode deixar conosco.
- Que massa dr. Gustavo! Muito obrigada! Estamos indo praí agora!
Muito comovidos pela solidariedade no Face e com a boa vontade do dr. Gustavo levamos o pequeno Ozzy (muuuuito debilitado) para a clínica.
8:00h
- Olha, eu tenho que ser absolutamente sincero com vocês. O risco de morte do Ozzy nesse processo de transfusão, dado o próprio quadro clínico dele, é considerado de alto-risco. Vou fazer o melhor que posso, mas de antemão tô informando porquê realmente o estado dele é grave...
- Tá certo dr. Gustavo... Estamos totalmente cientes disso, mas mesmo assim obrigado por reforçar. Aconteça o que acontecer vamos saber que o senhor e, principalmente o Ozzy, deram o melhor de si.
- Gente, esse cachorro é muito forte! Se ele fosse de raça já teria morrido há muito tempo!
- Pois é dr. Gustavo. Por isso coloquei o nome dele de Ozzy, que desde que era do Black Sabbath até hoje passa por poucas e boas mas nunca morre.
- Vou ficar mantendo vocês informados de tudo. Vou ligar quando a bolsa chegar, quando tiver rolando a transfusão, quando tiver acabado, e depois de algumas horas pra dizer a reação. E por falar nisso, geralmente o processo pra saber se ele reagiu bem a transfusão se dá ou nas primeiras horas após a transfusão, ou depois de 42h.
- Tá certo então dr. Gustavo. Novamente obrigado!
- Agora vão pra casa descansar que a noite de vocês foi muito longa!
Ozzy estava tentando ficar em pé na mesa de metal do consultório. Quem encostasse nele, mesmo sendo eu ou Lorena, ele tentava morder. Sua debilidade devido à anemia já atingiu seu pequeno e frágil sistema nervoso. Ele voltou a deitar, ficou com seus olhos demoradamente olhando para mim e Lorena. Me sentia absolutamente impotente.
Agora é contigo Ozzy! Pensei...
Então o ajudante do dr. Gustavo o levou para a internação. Enquanto ele era levado da sala não tirava os olhos de mim. Animal tem essa coisa de olhar nos olhos da gente. Eu ainda não sabia, mas foi a última vez que o vi...
Capítulo 7
Apesar de à princípio ter reagido bem a transfusão, e de ter passado boa parte do dia em situação estável, houve alguma complicação em seu organismo que gerou um ataque cardíaco no final da tarde... Os esforços profissionais do dr. Gustavo conseguiu trazê-lo de volta, porém, houve uma segunda parada poucos minutos depois que, infelizmente, foi fulminante para o pequeno Ozzy.
Optamos por não ver o corpo. Deixamos esse serviço para a clínica. Apesar da tristeza daquele momento, no fundo sentimos um certo sentimento de dever cumprido. Tínhamos claramente em nossa consciência o fato de ter feito tudo o que estava em nosso alcance. E, dado o quadro tão frágil do pequeno Ozzy, também sentimos certo alívio por sua dor e sofrimento ter sido (da forma mais triste possível, claro) aplacado.
Foram apenas 18 dias.
Me pego pensando sobre esta mística quase universal que existe nesta relação dos humanos com cães, gatos, cavalos e outros bichos.
Como um cara como eu pode se tornar tão sensível a dor de um filhote e ir numa McDonald's comer um sanduíche suculento de carne de uma vaca, esse ser mamífero cheio de sensibilidade iguais aos meus cães?
Talvez um leitor mais reacionário venha me falar de crianças humanas, órfãos e sem pais, que precisariam também de cuidados e amor.
Concordo plenamente também!
Acontece que eu sou envolvido com aquilo que naturalmente aparece em meu caminho. Se provavelmente alguém colocar um filhote de bezerro na minha porta, bem como uma criança dentro de um cesto com uma carta sensacionalista com o final "cuide dele por favor!", muito provavelmente era isso que eu ia fazer... No primeiro caso nunca ia permitir que alguém fizesse um churrasco com meu bezerro, que muito provavelmente ia se chamar Paul, em homenagem ao Paul McCartney.
Então me aparecem três filhotinhos. Não fomos atrás! Nos procuraram, ligaram, falaram da situação, e eu e minha mulher simplesmente respiramos fundo e dissemos: Então tá! E mudamos muitos dos nossos planos... Incluindo descartar o super labrador Black Dog preto de língua roxa...
Chegamos em casa muito tristes e fomos recebidos por uma Pink e um Floyd nos lambendo freneticamente, latindo e se esfregando em nossas pernas. Não sei se aquele entusiasmo todo era pra nos dizer um "siga em frente!" ou um "nos alimente!", ou as duas coisas.
Ozzy nunca sairá de nossos corações. E esses dois lindos filhotes vão estar aqui em casa para nos lembrar dele todo santo dia. Junto com meus discos do Black Sabbath também, obviamente...
Adote um animal!
Não, calma, não tô falando do seu amigo idiota... Tô falando de um animalzinho mesmo. Um gato, um cão, um porquinho da índia, sei lá. Só sei que esses filhotes trouxeram muita luz e serenidade ao meu lar, mesmo com todos os latidos e gemidos infernais que eles produzem. Mesmo a Pink fazendo xixi em minha revista de música predileta, ou o Floyd confundido um dos belos sapatos da minha esposa com uma mini privada. Nós os amamos do jeito que eles são. E, como casal, aumentamos muito nossa cumplicidade cuidando deles.
E por favor, se quiserem muito um cão ou um gato, não sejam racistas (como eu era) e vá à uma das várias feiras de adoção que deve ter em sua cidade e adote um lindo vira-lata cheio de amor e carinho pra dar.
Aqui em Fortaleza tem várias destas feiras! O São Google lhe diz onde, basta consultá-lo!
* * *
Agradecimentos
Em primeiro lugar gostaríamos (eu e Lorena) de coração agradecer os 175 perfis do Facebook que compartilharam nosso apelo. Também a inúmeras pessoas que nos escreveram in box nos oferecendo ajuda e a todas as mensagens de encorajamento e apoio que recebemos.
Em segundo lugar agradecemos ao dr. Gustavo Coser da clínica PetSanus, que sempre nos demonstrou um sincero interesse ao nosso caso, e que desde o início cuidou e acompanhou muito bem nossos filhotes. Tenho absoluta certeza que ele fez o melhor que pôde pelo pequeno Ozzy. De igual modo ao também Gustavo, seu assistente, e a Bruna, sua atendente que sempre nos recebe com muito carinho e nos faz sentir super acolhidos.
E por último, e não menos importante, a você querido leitor, que leu o texto até o fim... Obrigado!
Dr. Gustavo segurando a Pink
e seus excelentes assistentes Bruna e Gustavo, segurando o Floyd
7 comentários:
Texto que me fez chorar e rir num curto intervalo de tempo. Essa mistura de emoções me fez reviver cada momento com o nosso pequeno grande guerreiro: Ozzy. Meu convite sempre será: ADOTE UM ANIMAL e/ou AJUDE UM ABRIGO.
George, só você pra transcrever os diálogos de vocês de um jeito tão...tão.... seu!
É como a Lorena disse: faz rir e chorar no curto espaço de um texto de blog.
Vendo o relato, vejo que não fazia ideia do sofrimento que estavam passando.
Olha, só de ficar dois dias com a Fofinha no ano novo eu já me apego de um jeito... aqueles olhinhos olhando pra gente fazem nascer uma responsabilidade, um afeto, um amor dentro da gente... que é inexplicável mesmo.
Mas você quase conseguiu explicar direitinho aqui.
E o apelo de vocês é super válido. Um cão como um labrador fácil, fácil vai conseguir adoção. O que vocês fizeram foi um ato de coragem e de muito amor.
A história de Lolita se repete. Fui fazer unhas e a trouxe com 1,750, parte dele de carrapatos e pulgas. Hoje é uma super companheira. E eu sonhava em ter uma York...
Ela tem hoje 2 anos. um amor. Ela era a menor; deixei que todos pegassem um cãozinho (eu não queria). ela tanto me olhou... agora estou trabalhando e olhando prá ela que está dormindo... amo Lolita.
Texto emocionante!
Lindo texto, tenho certeza que ele foi muito feliz enquanto esteve com vocês...
Impossível não chorar.
Passei pela mesma situação, tive uma cadelinha, minha cocker da feira *-* A Bella era uma garota bonita e muito inteligente, mas tb pegou a doença do carrapato. Emagreceu muito, anemia muito grave, bateria de exames, remédios, soro, internações... Mas a esperança de que ela fosse sair dessa me consumia! E quando pensava que nada mais podia piorar, minha Bella foi diagnosticada com o Calazar. Reunimos a família e decidimos que se ela iria morrer, que morresse conosco que amávamos tanto. Não entregamos para o sacrifício e continuamos o tratamento... Mas minha doce garota não resistiu. Foram 2 meses lutando e sei que ela arranjava forças todas as vezes que olhava para nós e nos via com olhos marejados. A Bella me ensinou a amar de um jeito único e eu tenho ela SEMPRE cmg, sempre em meus pensamentos. Já se passaram 3 anos, mas sempre vou lembrar daquela linda cocker, que só passou 1 ano conosco (ganhei no meu aniversário e ela morreu 1 semana após o meu aniversário). O que vocês fizeram foi o ato mais lindo que já vi. Que os seus 2 filhotes permaneçam com saúde. O Ozzy teve uma sorte danada e sentiu-se amado em seus últimos dias de vida. E se existe céu para cachorro, ele está lá, fazendo companhia para a minha Bella.
Abraços.
Thais Marques
Olá George. Gostei muito do seu texto e de sua "odisséia canina". Li até o fim e fiquei muito feliz ao ver o cuidado que você e sua esposa dedicaram ao pequeno Ozzy. Louvo a Deus pela sensibilidade de vocês, pelo cuidado amoroso devotado ao cãozinho que revela muito da personalidade de ambos e do Deus que habita em vocês. Este mesmo Deus há de recompensá-los pelo esforço em prol desta pequenina vida. Um fraterno abraço, do mano, Carlos Dias.
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