Banda: Ultraje a Rigor
Álbum: Nós vamos invadir sua praia
Ano: 1985
Gravadora: WEA
Enquanto o Dinho dos Mamonas Assassinas ainda ensaiava as primeiras gracinhas no colegial, Roger Moreira incendiava o Brasil com letras inteligentes, bem humoradas e cheias de ironia, sarcasmo e deboche. Estamos falando de uma geração no começo da década de 80, jovens que ainda vivenciavam os últimos anos da ditadura militar no Brasil, e que tinham muita coisa a dizer. A maior parte das bandas que fizeram a cabeça da geração 80 começaram a germinar neste período de 1980 à 1985.
Havia um clima de insatisfação total. Basicamente a classe artística e muita gente da política (como Ulisses Guimarães) já labutava pelas diretas. O grande orgulho nacional, que era aquela seleção de Telê Santana recheada de estrelas, perdeu a copa de 1982 e frustrou o país. Nem na dita paixão nacional o Brasil estava satisfeito.
Em meio a tudo isso veio ao mercado Nós vamos invadir sua praia, um dos discos mais fundamentais da música brasileira, conquistou o gosto do povão. O disco caiu como uma luva a tudo o que estava acontecendo no país até então, e em muitos aspectos conseguiu representar algo que todo brasileiro queria dizer e não podia. Teve 9 de suas 11 faixas estouradas nas rádios. Clássicos inquestionáveis. Foi o primeiro álbum brasileiro a emplacar um disco de platina.
Engraçado que o disco que embalou os verões brasileiros na segunda metade da década de 80, que basicamente tocava em qualquer barraca de praia que você fosse tomar um solzinho ou surfar naquela época, é obra de paulistas. O próprio título é uma provocação de paulistas aos cariocas. Obviamente tudo foi levado com muito bom humor e ótima aceitação dos ratos de praia. E de fato foi uma invasão! Apesar da banda ser paulista, o álbum foi gravado no Rio. Na contracapa você pode ver a banda se sentindo em casa, numa foto que provavelmente foi tirada entre Leblon e Ipanema.
Ultraje
Invadindo as praias do Rio em 1985
Invadindo as praias do Rio em 1985
"Nós vamos invadir sua praia" abre o disco como uma invasão bárbara às praias cariocas. A música representa perfeitamente à que veio o Ultraje, invadir não só a praia, mas a mente e o verão de todos os brasileiros. "Rebelde sem causa" tem uma sacada genial que trata da perspectiva de uma geração da década de 80 de jovens que tem pais liberais, pais esses formados com toda liberalidade do movimento hippie. Como ter uma postura rebelde diante de pais tão descolados e legais? Eis a questão...
Reza a lenda que, nos shows, quando o Ultraje mandava o "Mim quer tocar", um reggae preguiçoso, pra maconheiro que se preze viajar, e entrava o refrão Mim quer ganhar dinheiro, o público jogava moedas no palco.
"Zoraide" é um basta a monogamia, que entra em perfeito contraponto a "Ciúmes", um clássico do disco que fala de um cara que não consegue ser moderninho, e percebe que não tem estrutura emocional para levar uma relação aberta. Sei muito bem como é isso...
"Inútil" tornou-se praticamente o hino de guerra das Diretas. Representava tudo aquilo que tava engasgado na garganta da população brasileira que estava insatisfeita com o governo, com a economia, com a seleção, enfim, uma letra que conseguiu perfeitamente dar uma alfinetada nesse sentimento de "síndrome de vira-lata", expressão que Nelson Rodrigues sabiamente usou para representar esse complexo de ser de segunda categoria que o brasileiro não admitia, mas no fundo se achava.
"Marylou" foi a trilha sonora de praticamente todos os meus aniversários até os 12 anos. Lembro da molecada toda pulando na sala da minha casa cantando essa música, da bagunça e dos gritos. Dos pais querendo acalmar os pestinhas. E de como eu não fazia ideia do duplo sentido que a letra continha.
"Independente futebol clube" encerra o disco com um levante à favor da plena liberdade. A liberdade de escolher o que quiser, de estar com quem quiser, enfim, um verdadeiro tratado existencialista.
Em 1985 eu tinha apenas 4 anos. E até hoje eu tenho muitas lembranças regadas as músicas deste disco. Em toda festinha de coleguinhas de rua e de escola, no som do carro em alguma viagem, no rádio da doméstica lá em casa, na praia com minha família, por muitos meios as músicas do Ultraje chegaram a mim. E hoje, com 30 anos, revisito este disco com muito carinho e nostalgia. Redescobrindo as letras e percebendo a importância desse clássico na minha história.
Hoje o Ultraje a Rigor é banda de apoio do Danilo Gentili, no programa Agora é Tarde, na Bandeirantes. Nada mais justo, pois no programa atua o que há de melhor no elenco do atual humor nacional (que nada tem a ver com Praça é Nossa, tampouco Zorra Total). Um humor que, assim como a banda, percebe que o riso é uma arma poderosa de conscientização e denúncia. Pois assim como em 1985, a corrupção é a mesma, a desigualdade social e a violência são as mesmas, e isto torna as músicas do Ultraje mais atuais que nunca.
A PREDILETA:
Tem uma máxima no cristianismo que diz que a gente deve amar o próximo como a si mesmo. Segundo esse princípio, um dos pré-requisitos para você ter capacidade de amar o outro é, antes de tudo, amando a si mesmo, pois a linha ética-moral que vai nortear suas atitudes é o princípio de que o bem que quero para mim, também ei de querer para o outro. Da mesma forma o mal que não desejo não posso desejar para o outro. O ponto de partida é olhar para dentro de si.
Sócrates teve um êxtase de iluminação quando leu o frase "Conhece-te a ti mesmo" escrito na entrada do templo de Delfos. A própria perspectiva metafísica do reino de Deus pregado por Jesus de Nazaré se dá, segundo ele, dentro de nós mesmos.
Enfim, "Eu me amo", para ouvidos desatentos, chega a parecer um hino hedonista, mas na verdade trata exatamente dessa busca do homem por si mesmo. Do auto-conhecimento. Do descobrir-se. Para daí encontrar maturidade e sentido em suas relações interpessoais. Através da busca de si é que se encontra sentido e experiência para interagir e, principalmente, somar com o outro. E isso é algo latente na minha própria existência. E essa música genial do Ultraje reflete exatamente isso. Representa basicamente todas as perspectivas desta busca. "Eu me amo" então, muito mais que uma música de um boçal egocêntrico, é na verdade um convite ao auto-conhecimento.
Confira no vídeo abaixo a música "Eu me amo":
Um comentário:
George,
Muito legal essa viagem pela história embalada pelo Ultraje a Rigor.
Abração!
www.estradasou.blogspot.com
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