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26 novembro 2012

Resenha (Filme's): Histórias Cruzadas (EUA - 2011)



Filme: Histórias Cruzadas (EUA - 2011)
Diretora: Tate Taylor
Estúdio / Produtora: 1492 Pictures, Imagenation Abu Dhabi FZ, Harbinger Pictures, DreamWorks SKG, Reliance Entertainment, Participant Media

Tem certos assuntos que nunca se esgotam. Podem fazer mil filmes sobre isso, escrever centenas de livros, mas quando você pensa que nada mais vai lhe surpreender sobre esse assunto, de repente aparece algo que muda seu conceito.

A perspectiva social na América racista das décadas de 50 e 60, principalmente no sul dos EUA é uma dessas fontes inesgotáveis de assunto. Muito se escreve e se filma sobre essa temática. Umas dando muito certo, e outras nem tanto.

Já que minhas resenhas não servem pra resumir as histórias (se você entrou aqui pra isso, é melhor voltar lá na sua pesquisa do Google e procurar outro link), digo que se trata de uma garota jovem inteligente e aspirante a jornalista. Que cresceu numa comunidade branca bem típica no Mississipi do início dos anos 60.

Apesar de ser branca, jovem, linda e do grupo das populares entre as amigas, ela percebe que tem alguma coisa errada, muito errada acontecendo. E essa coisa errada é a forma como os negros (em especial as domésticas) são tratadas, mesmo numa época em que a abolição dos escravos já foi decretada à tempos. Você pode mudar o princípio nas leis. Mas daí colocar esse mesmo princípio no coração das pessoas, aí é outra história.

Acontece que essa garota, como uma entusiasta do jornalismo, tem uma ideia. Escrever um livro relatando a perspectiva das domésticas negras que, durante gerações, cuidou dos filhos da classe média branca nos EUA. E o filme lhe leva nas entranhas do que se vivia em termos de "o sonho americano" naquela época. As aparências da classe média escondendo uma desumanidade, herança de anos de domínio escravocrata.

Apesar de ser ficção, ele vai tratar da realidade. E o filme lhe leva para a intimidade de vários lares de brancos cristãos e devotos americanos.

E por falar em cristãos devotos, foi essa uma das perspectivas do filme que mais me chamou a atenção. E sobre isso gostaria de discorrer um pouco nas próximas linhas.

"Você é uma herege!"

O que sempre me impactou na história do racismo branco americano nunca foi o racismo deles em si. Isso já era previsível e de se esperar. 

Muito menos o fato dessa geração branca racista serem ditos cristãos fiéis e, ao mesmo tempo, serem membros ativos da Ku-klux-klan. Não, isso também era de se esperar.

O que me deixa mais impressionado é o fato da geração de negros terem não só absorvido o cristianismo da tradição branca (isso na época dos escravos), como perceber claramente que a postura cristã dos brancos em relação a eles era uma clara distorção do olhar dos brancos sobre as escrituras. Pois no filme, apesar do grande choque de realidades e posições na escada social, pelo menos uma coisa eles tinham em comum. Tanto um lado quanto o outro professava o cristianismo.

É exatamente esse paradoxo que me assusta. 

Gandhi era um cristão confesso até conhecer a igreja branca. Viu que havia um abismo imenso do que ele enxergava que Cristo viveu e o que a religiosidade protestante de igrejas de brancos viviam. A ponto dele, ao ruminar na mente durante dias esse paradoxo, afirmar:

"Não conheço ninguém que tenha feito mais para a humanidade do que Jesus. De fato, não há nada de errado no cristianismo. O problema são vocês, cristãos. Vocês nem começaram a viver segundo os seus próprios ensinamentos." 

Isso ficou claro no filme, em uma cena onde a empregada finalmente esgota toda sua paciência, e num momento de plena indignação e revolta, se vira para sua patroa e diz: Você é uma herege!

Não, os negros não se revoltaram e criaram outra religião. Eles simplesmente tiveram um olhar sobre essa mesma religião, a absorveram e aprenderam, e categoricamente perceberam que os brancos estavam equivocados em suas leituras. Enquanto os brancos gozavam prosperidade no país e cantavam para Jesus abrir as portas do céu e derramar bênçãos. Os negros por outro lado se identificavam com o sofrimento de Jesus e O pedia forças para suportar mais um dia. Tanto é que o próprio blues (que significa choro, lamento) nasceu daí.

Será que essa perspectiva mudou? Os paradoxos ainda existem? Tire um domingo e vá a uma igreja bem pobre na periferia de sua cidade, e no outro domingo vá na mais "moderna" e jovial que tiver. Observe os hinos cantados e você vai saber do que estou falando. Observe pelo que ambos agradecem na hora dos testemunhos, assim também como o que pedem.

Mas calma, isso sempre existiu! 

Não esqueçamos que o próprio Jesus foi brutalmente assassinado por conta de colocar dúvidas sobre a religião estabelecida em sua época. E ele mesmo percebeu o paradoxo, se indignou contra isso, e pregou a verdade em cada esquina que andava. Mal sabia ele (ou sabia...) que logo fariam a mesma coisa com sua doutrina.

Afinal, não é assim que alguém resumiu o curso da história? Uma série de rupturas e continuidades?

Confira no vídeo abaixo trailer do filme Histórias Cruzadas:

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