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08 novembro 2012

Resenha (Filme's): Quase Famosos (EUA - 2000)


Filme: Quase Famosos (EUA - 2000)
Diretor: Cameron Crowe
Produtora / Estúdio: UIP / Columbia Pictures / DreamWorks SKG / Vinyl Films

- E aí? Qual vai ser o disco hoje?
- Tô querendo o Delicate Sound of Thunder, pode ser?
-  Pode, mas seguinte, vou logo dando o toque que eu vou ser o David Gilmour viu?
- Como assim? Porra cara, toda vez tu quer ser o Gilmour! Tu já foi semana passada quando a gente tocou o Dark Side! Toda vez eu sou o Roger Waters! E nesse show do Delicate o Waters já tinha saído da banda!
- Toque como se fosse ele cara! E outra, eu já fui o Waters uma vez lembra não? E com muito orgulho! E nem fiquei reclamando feito um bosta!
- Claro que não reclamou, até porquê foi o The Wall né? Assim até eu! Tu gosta é de aparecer pô!
- Há, vai tomar nesse teu cú George!
- Vá te lascar!

E assim, pela milésima vez, o grupo imaginário que eu (na época com 11 anos) e meu primo Junior (com 13) tínhamos se dissolveu. Muito provavelmente no outro dia a gente ia voltar. Nenhum dos dois ia conseguir passar um dia sem empunhar vassoura e rodo (respectivamente) e tocar guitarra imaginária de frente pro som e se imaginar sendo um rockstar.

Junior é filho de minha madrinha Marlene, que sempre foi uma segunda mãe pra mim. E o Junior sempre como um segundo irmão (com tudo de positivo e negativo que isso representa). E foi nos vários fins de semana que passei na casa dele que fui catequizado no maravilhoso universo do rock. O pai dele tinha uma loja de discos no centro de Fortaleza, em um prédio em frente a Praça dos Leões. E todo sábado pela manhã a gente ia lá e ficávamos degustando discos e mais discos num dos aquários da loja até o ouvido sangrar.

Ali ouvi clássicos do Pink Floyd (incluindo seus discos mais obscuros), Led Zeppelin (viajando na música e na capa do disco Physical Grafitti - 1975), Janis Joplin, The Who e por aí vai. Adorava o cheiro da loja. Das pessoas entrando e conversando sobre música como verdadeiros eruditos. E assim que eu passei a conhecer um pouco mais de música, deixei de ser discípulo de meu primo para tornar-me adversário. Essa rivalidade foi ótima para mim, pois aí eu ficava mais fissurado em correr atrás de informações, e isso naturalmente me levou a primeira publicação de música que eu passei a ler - a BIZZ.

Até hoje tenho guardado com muito carinho quilos dessas edições. Vez por outra até folheio. E cada página me remete a tempos de descoberta musical. Gostava muito daquela escrita jornalística, com um tom informal. Parecia uma conversa. Lendo as linhas eu até podia ouvir a voz do jornalista ao meu lado, conversando comigo sobre música. Elogiando ou mandando ao inferno um disco. Todo mês esperava ansiosamente a revista chegar às bancas para devorá-la.

Lembro que, no começo dos anos 2000', quando a BIZZ parou de ser publicada, foi como um soco no estômago pra mim. Senti-me órfão, desamparado. Era como se um amigo querido tivesse ido embora pra nunca mais voltar. Não ia mais ficar naquela ansiedade de imaginar quem seria a capa do próximo mês. Nem ia sair da banca passando as páginas perto do meu nariz para sentir o cheiro de folha nova. Foi um relacionamento de pouco mais de 10 anos com esta revista. Acho que criei praticamente um "toc" (transtorno obsessivo compulsivo) de toda vez olhar pra banca atrás de uma publicação sobre música desde então. Sempre encontrando o mostruário da banca lotada de Capricho's, Veja's, Cara's, Playboy's, ummm... Playboy! Me venda uma dessa aí seu zé! Enfim, um vazio na vida do cidadão aqui.

Até que no fim do primeiro semestre de 2002, ao olhar para uma banca (por pura mania), me deparo com uma revista, e nela estava estampada a cara do Kurt Cobain desfocada, e acima enunciado com letras garrafais ZERO. Meu olho dilatou! Fui ver mais de perto, e na capa via espalhado nomes como Nirvana, Cameron Crowe, Wilco, Radiohead, Ryan Adams, Lester Bangs, caralho, me venda essa revista aí seu zé!

Lembro que era em torno de 7:30h, e a banca ficava em frente meu colégio. Minha sede de ler a revista era tanta que não tive dúvidas. Gazeei aula e fui pra Ponte Metálica (Um cartão postal da orla de Fortaleza). Gostava muito daquela ponte! Não sei se pelo nome Metálica, ou por ser a única ponte metálica do mundo feito toda de madeira. Enfim, só tinha alguns caras pescando. Sentei na sombra e, ouvindo o barulho das ondas, degustei aquela revista incrível.


Primeira publicação da revista ZERO

Maio de 2002


O que chamou mais atenção na revista foi a matéria sobre o Nirvana e tudo aquilo que Seattle passou a representar para o mundo depois da febre grunge, porém, uma matéria que me impactou muito foi um texto super bacana sobre o maior crítico de rock de todos os tempos: Lester Bangs!

Lester Bangs escreveu pra revista Rolling Stones, e após ser banido dela foi pra Cream. Ele simplesmente escrevia o que sentia. Não se preocupava em ser diplomático, tipo, falar bem de artista tal porque assim ia cair nas graças das gravadoras. Nada disso! Para o bem ou para o mal, Lester Bangs era um jornalista livre! Nunca vendeu sua alma pra indústria. E isto o tornou para muitos um pária, e para outros tantos como eu um herói!

Aquele período de 1965 até 1975 acredito que tenha sido a época mais mágica e fascinante da indústria musical. O céu era o limite naquela época! Muitas super bandas acabando e outras tantas surgindo! Uma fertilidade de criatividade musical sem fim. E em tudo isso estava ele, Lester Bangs, usando a arma mais poderosa que ele tinha: uma máquina de escrever!

Lester Bangs

O maior crítico de rock de todos os tempos!


Lester Bangs, assim como as publicações BIZZ e ZERO (esta com vida curta de apenas 14 edições) foram muito influentes na minha vida! Acho que se hoje eu tenho um blog onde escrevo sobre discos, livros e filmes, devo isso inteiramente a Lester e a essas duas revistas.

Hoje leio regularmente a Rolling Stones Brasil e a Billboard Brasil, apenas como forma de me atualizar do que tá acontecendo na música pelo mundo. Mas no geral, elas são apenas meras vitrines de gravadora. O que é uma pena!

Aí você pergunta, ó desocupado leitor:

- O que tudo isso que você escreveu sobre tocar guitarra imaginária usando vassouras na pré-adolescência, ler compulsivamente revistas sobre músicas, ler sobre Lester Bangs, enfim, o que o filme "Quase Famosos" tem a ver com tudo isso?

No que eu lhe respondo:

- Tudo! Está tudo nesse filme!

"Quase Famosos" trata do amor pela música! O filme consegue retratar com fidelidade toda a magia daquele começo da década de 70'. E o mais fascinante é que o filme é, até certo ponto, um pouco autobiográfico.

Muito da história do próprio diretor Cameron Crowe está nesse filme. Um garoto fã de rock, que lia revistas sobre músicas compulsivamente, e que se tornou, aos 15 anos, colaborador regular da revista Rolling Stones. E este garoto vai conhecer os bastidores de tudo aquilo que rodeava os grandes festivais de rock na época. Vai presenciar a rotina de cair na estrada com uma banda de rock em ascensão.

Inspiração, ego, mulheres, drogas, solidão, música, amor, está tudo ali, transmitido de forma épica em cada centímetro desta película. Inclusive ele, Lester Bangs, que foi mentor de Cameron Crowe no início de sua carreira como jornalista, e que no filme é retratado de forma precisa pelo excelente ator Philip Seymour Hoffman.

Nunca vou me cansar de ver esse filme! Sempre mantive a média de assistir "Quase famosos" uma ou duas vezes por ano. Todo amante da música deveria ver. É obrigatório! "Quase famosos", até hoje, é uma grande inspiração na minha vida.

p.s. - O jornalista Luiz Cesar Pimentel (ex-diretor de redação e um dos fundadores da revista ZERO), em seu blog, teve a bondade de disponibilizar todas as 14 edições da revista ZERO em formato PDF. Então se tiver curiosidade de saber como era, de fato, escrever sobre música com alma, dê uma conferida no link abaixo:

Link: http://luizcesar.com/revistas/

p.s. 2 - Por mais que não tenham mais publicações de qualidade sobre música, há muitos sites bacanas em que você ainda pode ter, de certa forma, um deleite de ler um texto sincero sem o rabo preso com gravadoras nem indústria musical. O site Scream & Yell é um desses sites. Se você quiser dar uma olhada, acho que não vai se arrepender:

Link: http://www.screamyell.com.br/

Assista no vídeo abaixo o trailer do filme Quase Famosos:

        

Um comentário:

Get off disse...

Cara, você tem muito sentimento na palavra! Adorei. Se liga, "Quase famosos" é realmente um filme marcante, lembro de assistí-lo com 13, 14 anos... Não dá pra esquecer.